Pensar pra não ser babaca

O cotidiano faz com que a gente robotize atitudes e, não obstante, deixemos de fazer um movimento vital para qualquer ser: observar a si e o meio em que nos encontramos. Por vezes, deixamos passar o momento de análise - de forma intencional talvez –, por não conseguirmos encarar nossos demônios olho no olho. Mas uma hora é necessário. Fazemos o movimento de projeção – até de maneira inconsciente – nas relações que estabelecemos, seja ela de qualquer natureza, quando atraímos pessoas em nossas vidas, com suas vivências, seus medos, anseios, amores e toda bagagem que vem com elas. Projetamos desejos, expectativas, atribuindo à essas pessoas aquilo que nosso íntimo deseja e, fadados ao equivoco, nos decepcionamos ao entender que a pessoa é tudo aquilo que fora construída até ali e não o que desejamos: são particularmente suas vivências, suas bagagens. Quando aqui trato de relações, falo das mais diversas, não somente as amorosas, porque socialmente falando, somos gregários e dependentes das nossas relações estabelecidas.

Aprendemos, desde o primeiro suspiro esse movimento de interdependência do outro: nos aquecermos, nos alimentarmos, nos higienizarmos. O que faz parecer uma obrigação moral que as pessoas têm, porque o ser que chega não pediu para chegar. Não é esse o mérito aqui discutido, mas a interdependência. Karnal trata no livro “O dilema do porco-espinho” sobre os limites da proximidade dos seres e do quão importante é a manutenção das relações, baseada na afirmação de Arthur Shopenhauer que nos assemelhamos ao porco-espinho: quando próximos demais, nos ferimos, afastados demais sentimos frio. Pensando nisso, enquanto lavava roupa, filosoficamente pensei inúmeras indagações, baseadas até nos meus últimos dias...

Quais os limites das relações entre as pessoas? O que muito pode favorecer uma relação começar? O que muito pode fortalecê-la? O que pode muito findá-la? Há quem diga que existe fórmula, ou receita de bolo, para fazê-lo, mas creio veementemente que não. Não há como resumir. Há quem faça, ou tente fazer, para suprimir o sentimento alheio. O que me leva a crer na desumanidade que o ser humano tem, porque não há justificativa cabível para quem dilacera o sentir do outro. É um direito furtado de nós, todas as vezes que alguém limita o que se sente: “Mas você não pode ficar assim...” Não tem “mas” que se possa ser proferido quando a dor ou clamor, amor ou desamor grita no peito! É um direito e ponto. Doa em quem (doer? Não!) sentir... É um direito de quem sangra em silêncio, no limbo, no mais escuro dos sentimentos, porque vai estancar a sangria e, querendo ou não, vai passar. No tempo que tiver que passar...

Vai haver quem pense que a frase limitante acima seja um incentivo, que não deva ser desmerecida, porque pode ter sido falada por alguém que ame. Concordo com o amor, por isso imagino que amor não limite, não reprima. Amor liberta e é justamente a liberdade, atrelada à lealdade, que mostra a força que o amor tem. O amor vai, nesse momento, aceitar a explosão de sentimento e segurar a mão, enxugar o pranto quantas vezes forem necessárias. Estará ali, mesmo que em silêncio, porque o amor também se cala. Mas amor é muito pra ser resumido em adjetivos, porque amor é ação.

Paro. Observo. Não sei se o que digo é o que se precisa dizer, mas o coração grita. É a boca que não falou, mas o coração está urrando deprimentemente o estorvo oco do silêncio. As relações cansam. Tenho preguiça, talvez o cansaço tenha me corrompido para querer viver afastado do mundo. Penso no que esperar das pessoas, nas suas atitudes para comigo e percebo que a fala do padre Fábio de Mello na “Liturgia do Tempo” sobre a utilidade nas relações: “A utilidade é uma coisa cansativa. Você ter utilidade para alguém é uma coisa cansativa. [...] A utilidade é um terreno muito perigoso, porque muitas vezes a gente acha que o outro gosta da gente, mas não... Ele está interessado naquilo que a gente faz por ele.".

Somos pessoas, seres gregários e interdependentes. O quê nos faz pensar que, se usarmos pessoas como objetos, elas estejam sempre dispostas a nos servir sempre amigavelmente? O que nos faz pensar que temos o direito de utilizar pessoas como objetos e, caso elas percam essa destreza, podemos descartá-la? Porque diabos pessoas usam pessoas e não objetos? Perdi a paciência filosófica, só me resta a indignação. E talvez você esteja pensando que toda essa lamúria seja desamor (o que pode ser um fato), ou que são palavras ao vento. Talvez. Mas se houver algum indivíduo que não tenha pensado nisso um dia (que um raio caia na cabeça do atual presidente do Brasil.) que se manifeste, ora bolas!

Certo é que continuaremos sendo interdependentes. Penso em como essa interdependência possa se tornar mais saudável e, francamente, não consigo ver outro caminho, senão a alteridade. Mas isso é discussão pra outro momento. Até lá, deixo aqui registrada minha indignação: aprendam a respeitar o outro como quer ser respeitado e, assim, quem sabe a gente dá o primeiro passo pra melhorar essa porra que está aí.

Eduardo Costa (Apresentador)
Enviado por Eduardo Costa (Apresentador) em 18/12/2020
Reeditado em 31/01/2021
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