pretérito que aporrinha

Os discursos apelam para o retorno

Mas não posso retroceder

Mesmo que alguns passos atrás melhorem a imagem, o semblante

Onde fica a alma?

Enclausurada em um corpo que já nem é meu

Desapropriei-me

Vago sem roupagem

Desconheço a face, o escudo

Ou só ficou a defesa?

Função sem morfologia

A ponto de ter que quebrar todos os espelhos

Toda imagem especular ruiu

Pus de lado tudo aquilo que lembrava a mim

Até o que havia de mais palatável

Mas as lembranças são almas ensandecidas

Reclamam seu lugar

Misturam novas figuras

Convocam ideais

E eu vou cedendo

Mentalmente vou confrontando

Confronto-me

Decalco-me

Vejo cada contorno da distância

O agora, embora resistente, ainda é escravo do momento pretérito

E vejo passos, escadas, passagens, pontes

Onde deixei o movimento?

Em que labirinto perdi a essência?

Ficou num lugar sem elã

E recuperar é um passo em falso

Pois preciso que o pretérito segure aquilo que já não mais dou conta

Abraão Rodrigues
Enviado por Abraão Rodrigues em 11/12/2020
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