Os novos sonhos

Como de costume, todos os sonhos continuam presentes, sejam os sonhos de ideais que criamos ou os sonhos agitados da noite.

As palavras quando escritas nos possibilitam dizer o que não conseguimos verbalizar através dos lábios. Algumas coisas, não podemos dizer em voz alta, não pelas pessoas à nossa volta, mas por nós mesmos, sempre digo que a melhor maneira para memorizar algo é através da repetição do som, e reviver mentalmente as memórias já dói o suficiente.

Quando conversamos com nós mesmos, ainda temos o poder de manipular as opiniões e negar todas as verdades escancaradas, a fim de não causar maiores mágoas. E o que teria os sonhos a ver com as palavras escritas e não ditas em voz alta? Bem, alguns sonhos só podem ser tornar reais dentro de nós ou em um pedaço de papel.

Dois mil e vinte

O ano que provavelmente será lembrado pelo caos, pela dor, pelas perdas. Vidas foram perdidas. Esperanças foram perdidas. As pessoas se perderam.

No início ninguém sabia ao certo do que se tratava, o planeta estava em colapso, mas ainda tínhamos esperanças de que poderia ser algo passageiro.

No hospital, os pacientes sempre estavam aflitos, acometidos pelo novo vírus, mas a grande maioria agradecia pela alegria que nós profissionais transparecíamos, eles não sabiam como por dentro estávamos devastados, os risos eram usados como escudo, assim como todos os equipamentos de proteção. Era como se em cada piada, cada riso, a gente se esquecesse do que vivíamos ali todos os dias, mas a gente nunca se esquecia de verdade.

Muitos de nós rezávamos, chorávamos, tínhamos medo não só por nós, mas por todos. Medo pela nossa família, pelos pacientes que cuidávamos, pelos amigos e até pelos desconhecidos que ouvíamos falar em algum noticiário. Era difícil olhar pro amanhã, nós não sabíamos quem de nós viveria o futuro e quem de nós deixaria saudades.

À medida que o tempo passava, a situação se tornava mais tensa, assim como nós. Os pesadelos se tornavam frequentes, e as crises de choro iminentes, ao menos para mim.

Algumas vezes, olhando para o céu, eu me perguntava se isso chegaria ao fim, ou se eu aguentaria o suficiente para aguardar. Eu nunca soube ao certo com quem eu conversava, o ceticismo não me deixava crer plenamente num Deus como a maioria parecia acreditar. Ainda assim, eu fazia o máximo para encher meu peito de fé no desconhecido, afinal é o que sempre nos moveu diante da situação.

Os sonhos noturnos deram lugar aos pesadelos, e os sonhos que eu costumava viver enquanto passava pelos dias maçantes pareciam estar sendo adiados ou perdidos. Sempre que me perguntam, gosto de dizer que os sonhos movem as pessoas, que por sua vez movem o mundo. Eu senti como se o tempo parasse, mesmo que os meses passassem freneticamente, tudo parecia estagnado.

Ainda não se sabe o desfecho de nossa atual realidade, mas eu sei que as pessoas continuam sonhando, talvez não os sonhos de sempre, mas um novo sonho, onde há vida, onde há possibilidades, onde se possa sonhar até mesmo o que parece improvável no presente.

As lagrimas ainda escorrem, o pânico ainda existe, então o que seria de cada um de nós sem nossos sonhos? Talvez já houvesse desistência. Sempre fui contra o ato de desistir, mas tomei pra mim essa sensação de estar perdendo as forças e querer recuar. Então, aquele com quem eu conversava, fosse um Deus sobrenatural ou apenas as estrelas do universo, algo ou alguém, me deu forças.

A glória não está em vencer as guerras ou a batalha, tão pouco diz algo sobre os que resistiram até o fim. Mas acredito na glória de cada novo dia enquanto ainda se luta.

O medo e a tristeza nos ameaçam, mas também nos faz enxergar além da escuridão, pois a cada medo vencido, a cada tristeza afastada, estamos mais próximos da felicidade.

Acredito que ao retomarmos nossos sorrisos, retomaremos nossos sonhos, e os sonhos são agora nada mais que uma espécie de guia.

Sonhar pode muitas vezes machucar, no entanto é o que faz querer curar as feridas, e nós humanos perdemos nossa essência se não pudermos sonhar. Assim como eu me perderia se não pudesse escrever tudo o que não sou capaz de dizer.

Às vezes a morte aparece de uma forma que deixa a vida mais bonita, assim como os pequenos detalhes, para nós que ainda vivemos.

E assim seguimos, vivemos trezentos e quarenta e um dias do ano da penumbra, e viveremos os próximos que virão, assim como sonharemos até o dia em que de fato iremos partir, e assim se desvenda um dos modos de sobrevivência, creio eu.

Logo, sonho com o dia em que tudo isso será só mais uma lembrança. E enquanto não for, irei eternizar através de palavras os meus sentimentos, por mim e todos aqueles que sonham pelo mesmo. E para aqueles que não estão mais aqui para que tenham sonhos, eu sonho que sejam eternizados, independente de quem foram, e independente de seus próprios sonhos. Se o sonho fosse sobre o passado, eu sonharia que tudo isso fosse... um sonho!

VMV
Enviado por Vena Funesta em 07/12/2020
Código do texto: T7129429
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