Conselhos tolos ao bem amado

Como tens gastado tua liberdade?

Estás feliz imerso nessa imensidão de efemeridade?

Sempre te vi numa busca

Não sei se de si ou de algo a se agarrar

Ofereci a ti um colo terno, segurança

Mas tu não estavas pronto

Mas quando se está?

Em uma vida de meu Deus, somos sempre tão desamparados, não acha?

Desculpa-me, esqueci que tu não consegues encarar as verdades de frente

Entendo-te, acredita!

Pois quando os monstros são maiores que a alma, reluta-se a enfrentá-los

Acreditas que o pobre cotidiano é o único perigo real

Trabalho, Dívidas, só destes espaço para o temor de tais banalidades, não foi?

Mas, escuta, quando olhares para si, para o íntimo

Quando o medo der lugar ao encontro

Verás que ao lado da luta, há beleza também

Ama-te, pois ter um pouco de narciso em si importa

Mas não cedes à ilusão de um amor total de si

Perdes tempo!

Ah! Por que não separas o joio do trigo enquanto é tempo?

Pois não há maior desperdício que se adaptar em solo infértil

Tens amigos, bons amigos, eu sei!

Finca, então, teus pés no rochedo em que eles se encontram

Por que se ilude em acreditar que deves peregrinar por campos sem vida?

Acolhe também a angústia

Faz dela pois tua amiga

Pois ela não abandona

E sempre guarda um mais além

E no que está além, qual tem sido tua mais valia? Trabalhas tanto, eu sei

Mas para quem?

Para ti? Para o tempo?

Nunca quisestes um filho, isso eu também sei

Embora gritavas em alto e bom tom a tua natureza cuidadora

És tão frágil, embora seja eu quem demore de caminhar

Mas isso também é porque me permito Ser

Não há em mim vergonha de sentir

Já que é a pura essência humana elaborada

Afinal, me diz, de que adianta caminhar em esteira parada?

E, ao mesmo, tempo, guardar em si, mas nunca para si, um olhar triste?

Teus olhos tem beleza, mas estão carregados

Tua dor reside ali

Por que isso também eu sei?

Porque as esconde justo nas janelas do espírito, do mundo e do outro

E se não estiveres preparado para ouvir, tudo bem!

Um outro proferirá algum discurso quando pronto estiver

E sei que na sensibilidade que te habita, uma marca ficará

Alegra-me a esperança que tenho de que acordarás de tuas profundas ilusões

Ou a menos que as acolherá, num movimento destemido de autenticidade

E não numa vergonhosa versatilidade (des)humana

Humaniza-te, pois

Entristece-te, visto que na dor também se cresce

És humano, mortal, errante

Percebes que o paradoxo é a própria vida!

E ama, apaixonadamente, patologicamente

Pois não se pode racionalizar o amor

Se amar é dar o que não se tem (Lacan)

É porque este ato exige uma locução junto a alucinar, devanear, fantasiar

E nunca pensar

Deixa isso para teu trabalho, pois és cientista

Mas na praia, no barzinho da esquina ou mesmo nos grandes centros

Vive apenas!

Podes dizer, em contraponto, que isso já o faz

Mas viver não é uma busca desesperada de encaixe

Não percebes?

Trata-se de poder caminhar sozinho quando preciso

E de dar a mão para acompanhar o que há de mais imaterial na existência

Quando aprenderes a viver como um criador, que admite que nada sabe

Perceberás a beleza produzida e produtora que te habitas

Agora, sim, te digo adeus

Pois, enfim, aprendi a te amar de longe

Sem mágoas

Abraão Rodrigues
Enviado por Abraão Rodrigues em 03/12/2020
Reeditado em 03/12/2020
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