Prisão

Os primeiros raios de sol o despertaram. Ainda sem abrir os olhos ouviu os típicos sons da manhã. Dia após dia eles se repetiam.

Finalmente tomou coragem e abriu os olhos. O velho padrão se mantinha. Feixes de luz intercalados à sombra. Uma tela retangular eclipsada por barras de ferro era sua única visão do mundo.

Não conseguia se lembrar o porque estava lá. Mal conseguia se lembrar dos longínquos dias em que viveu fora daquela cela. Tudo o que sabia era que manhã após manhã lhe traziam água e um pouco de comida. Pessoas passavam o tempo todo por ele sem querer ajuda-lo, olhando-o como se fosse alguma espécie de aberração. Não sabia dizer se aquele olhar era de admiração ou perplexidade.

Mexia-se constantemente no pequeno espaço que tinha. Gritava por socorro, mas a cada vez que fazia ao invés de causar incomodo ou pena, mais rostos vinham vê-lo, quem sabe apenas para debochar dele.

Tinha uma certa impressão que estava lá unicamente por causa de sua cor, diferente da maioria que vivia com ele. Embora não entendesse a razão de perder a liberdade apenas por ser diferente dos demais. Será que o consideravam perigoso por ser assim?

Não se lembrava de ter atacado ninguém durante a vida fora daquela cela. Apenas de ser capturado num dia de sol enquanto descansava e bebia água depois de um longo percurso. O homem que o capturou não disse absolutamente nada. Não teve direito a defesa ou explicação do motivo de ser levado de sua casa para aquele lugar escuro e apertado.

Sentia-se frustrado, preso, os músculos já não estavam mais acostumados à toda atividade que tinha fora de lá. Sempre que se mexia sentia-se mais pesado, mais endurecido. Gritava de dor sem efeito algum sobre aqueles que passavam por ele.

Quando não aguentava mais a dor ou a frustração de estar preso cantava uma música triste, uma melodia que aprendera há muito tempo ouvindo sua mãe cantar. Onde será que ela estava? Não a via há tanto tempo...

Bebeu um pouco de água, comeu um pouco daquela comida estranha e insossa que deixaram para ele e novamente começou com a melodia triste. Aquela era a única coisa que o fazia lembrar brevemente de seu tempo de liberdade.

Estranhamente, sempre que cantava, rostos desconhecidos tomavam à frente daquela tela gradeada que era sua única visão do mundo. Por que debochavam tanto dele? Achavam que ele era alguma espécie de atração bizarra que depois de preso tinha como único propósito entretê-los?

Aquilo simplesmente não podia ser justo. Parou de cantar abruptamente e encarou o rosto que o fitava por entre as grades. Parecia ser uma senhora bondosa. Lembrava-se de rostos assim fora da cela. Parecia uma daquelas pessoas que oferecia comida a ele sem que nem ao menos pedisse, apenas em troca de sua própria alegria.

Aquela senhora o olhava estranho. Diferente da maioria dos rostos que lá apareciam. Ao mesmo tempo que era bondoso, olhava para os lados relutantes, como se fosse fazer algo errado.

Ela mexeu na bolsa, com movimentos rápidos. Pegou um objeto prateado que refletia a luz do sol e foi em direção à grade. Objetos de metal pareciam assustadores vistos de dentro da grade. Será que o machucariam mesmo estando indefeso? Não duvidava disso, por várias vezes batiam na grade apenas para acordá-lo ou tentar fazê-lo cair.

Temeu por um instante, andou para trás no pouco espaço que tinha, mas logo viu que aquele objeto não traria perigo, aquele rosto era, de fato, amigo. Sem que esperasse, com um ruído seco, os feixes de luz não estavam mais intercalados por sombra, as grades metálicas não cobriam mais sua visão. Estava livre.

Receou sair assim sem aviso algum, temeu ser capturado de novo ou machucado. Andou em direção ao espaço agora vazio cautelosamente. A senhora ainda o olhava sorridente, mas não se moveu em sua direção, parecia querer dar a ele todo espaço do mundo para sair.

De repente ouviu gritos de repreensão. Uma voz grave ameaçava a senhora e parecia ir em sua direção. Resolveu que era hora de agir. Não teria muito tempo. Deu mais alguns passos rápidos em direção à imensidão, abriu as asas e ganhou o céu azul. Sob ele, as vozes pareciam alteradas, mas nem se importou mais.

O canto ganhava novos tons. Era de alegria, de liberdade!