Finado tio Bruno
Sinto saudade dele. Sinto muita saudade dele. Sempre que chega o final do ano, imagino que ele vai voltar, vai me carregar no colo e dizer: "Tá aí, não falei que voltava no Natal?"
Numa linha cronológica, essa é a última frase que lembro de ouvir dele. "Eu volto no Natal." Desde 2010 eu espero ele voltar, mesmo sabendo que não vai. Mesmo sabendo que ele morreu e que está aqui comigo o tempo todo.
Ele vive em mim quando escrevo, quando leio, quando faço tranças no cabelo de alguém, quando estou imitando personagens de desenhos infantis, quando digo veementemente que não, mas depois mudo de ideia... tudo isso aprendi com ele. E se me perguntam a razão de eu gostar tanto de ler e escrever, agora eu posso dizer sem medo que é porque foi meu tio que me ensinou.
Tio Bruno. Quando leio e escrevo, sinto ele comigo. Sinto a presença dele e me sinto aconchegada mesmo sozinha. A leitura sempre foi um mecanismo de fuga pra mim. Quando ele me ensinou a reconhecer as letras e quando eu comecei a ler palavras e imaginá-las na minha mente, eu percebi que a leitura evocava no pensamento coisas ausentes. E quando ficava longe dele, eu lembrava... "estou lendo porque meu tio me ensinou."
Eu sinto saudade dele. E sinto vontade de chorar quando penso que ele não vai voltar no Natal. Por isso, eu espero. E fico nessa esperança da volta dele.
Sinto saudade. Não tenho coragem de dizer que sinto falta dele. Não. Seria cruel demais. Falta é um sobre objeto ausente que deixou um vazio. Meu tio não me deixou um vazio. Ele me deixou tantas formas de me sentir completa que seria cruel dizer que sinto falta dele.
Eu sinto saudade, porque saudade é quando lembramos e as lágrimas se misturam com sorrisos conformados, de gratidão pelo que aconteceu e que nunca mais vai voltar. Mas eu vou além: eu sinto saudade dele e essa saudade embala meu sono. Penso que a gente nunca se vai totalmente. A gente sempre deixa um pedaço, um aspecto de nós em pessoas com quem convivemos. E eu peguei muitos aspectos dele. Ele vive em mim.
Sei que ele não vai voltar no Natal. Mas também sei que um dia, alguém vai esperar por mim como espero por ele. E se eu gostar muito dessa pessoa, eu não vou gostar que ela se sinta triste com minha ausência. Eu vou querer que ela busque formas de me evocar no pensamento e de me sentir. E é isso que estou fazendo agora com tio Bruno.