Olhando as fotos antigas você prefere o passado ou hoje em dia?
     Em uma tarde como tantas outras, minha irmã e eu conversamos sobre os mais diversos assuntos. Abri a pasta do laptop onde aloco subpastas, setorizando as fotos de acordo com o ano, para deixar tudo organizado. Eu buscava por uma imagem do ano de 2009, porém a perdi e acabamos viajando pelo tempo.
     2009 foi um ano extremamente difícil, pesado, marcado por decepções, frustrações, traições, perdas e limitações, porém pessoalmente, eu diria que 2015 foi pior porque uma decisão tomada ainda na década de 2000 me propiciou estar aqui hoje e não limitar minha escrita a meras folhas de fichário ou de papel sulfite, enquanto que no pior ano da minha vida, por impulsividade, falta de maturidade e até de humildade, tive atitudes as quais até hoje não me perdoo e também passei por outra situação traumática que ficará impune e apesar de hoje doer menos do que alguns anos atrás, ainda é aquela feridinha porque depois desse abuso eu me fechei no casulo para evitar que alguém me machucasse de novo, só que eu me fechei tanto, tanto, que me sufoquei.
     Mais tarde, enquanto esperávamos o chá esfriar, ela me perguntou:
     — Olhando as fotos antigas você prefere o passado ou hoje em dia?
     — O passado. — respondi. 
     — Eu prefiro hoje em dia. 
— rebateu ela.
     — Eu odeio a minha vida atual.
   — Eu sinto que me tornei uma pessoa melhor com o tempo. No passado eu não era uma pessoa tão boa. Sinto que apesar de tudo eu mudei para a melhor.
    — Eu nem imaginava o quanto a realidade viraria uma bosta, sinto saudades das coisas como elas eram, de quem eu era. Não tem nada atualmente que me deixe feliz.
     Sinto falta de conseguir passar ao menos um dia sem chorar. Da criatividade fluente que me permitia dar conta de duas novelas ao mesmo tempo e com pique para outro projeto. De quando eu ainda tinha vaidade o suficiente para pintar as unhas. Daquele cachorrinho que se foi. Das lambidas quentes e daquela sensação tão boa de ser amada por um bichinho.
     Sinto falta de quando não existia aquele prédio cinza bem em frente à minha janela, tampando o horizonte e enfeando a visão. De quando eu podia sair de casa sem ter que usar uma maldita máscara. De quando eu era tão mais que eu que não me importava se a vizinha do apartamento tal por despeito ou inveja não gosta de mim — porque ela nem me conhece para ter tanto ódio, nós nunca nem conversamos, mas, enfim...
     De quando eu fazia uma amizade nova porque me parecia que antes eu tinha mais facilidade para conhecer as pessoas, não tinha medo de ser machucada por elas. De quando eu podia refletir e lamentar apenas as coincidências que não deram certo e não as culpas pelos erros cometidos, que nem sempre podem ser reparados com o perdão. De acreditar que usar branco no ano-novo o faria ser pacífico, próspero e alegre. De gostar do dia do meu aniversário.
     Pode ser que daqui a sete anos eu olhe para as (raras) fotos dos tempos atuais e também sinta falta do meu cachorrinho atual, que não é dócil, mas me ama do jeito dele, que não gosta de colo nem de abraços, nem sobe na minha cama e se deita para uma soneca. Da minha dupla de hamsters. De morar com meus pais. Deles. Das longas conversas com a minha irmã, como essa. De ao menos poder chorar no silêncio do meu quarto enquanto todo mundo dorme. De ter responsabilidade só comigo mesma. Dos meus tempos de solteira. De quando meus amores eram tão meus que a outra parte nunca tomava conhecimento deles.
     Quem sabe eu desenvolva maturidade suficiente para entender o que se passa agora e aprenda para ensinar porque sete anos atrás eu reclamava do meu cabelo curto, de estar num curso do qual não gostava, de ser imitada por outros escritores e hoje eu queria ter coragem para encurtar os fios, quem me dera ser lida, hoje em dia eu sou apenas mais uma e já me bastam as culpas de hoje. Carrego muitas, a respiração se torna mais pesada, puxo o ar, quero acreditar que existe um único motivo para me manter viva, embora eu não saiba qual é... deve existir e se assim for, espero que ele devolva a alegria que há muito fez as malas e daqui foi-se embora sem deixar rastro.
     Olhando para as fotos eu anseio por entender QUANDO e COMO a tristeza se alojou e foi desbotando as cores, roubando o ânimo de tirar fotos, de tirar um dia para fazer maquiagem, unha, mexer no cabelo e tirar altas fotos, quando foi que perdi a vontade de comemorar mais um ano de vida, que até a escrita foi afetada a ponto de eu me sentir cada vez mais frustrada quando vejo os outros produzindo e eu sem sair do lugar.
     Sinto que algo aconteceu e num primeiro momento eu não calculei os danos provocados, que meu coração foi quebrado em tantos pedacinhos que não pude mais ser a mesma pessoa de antes porque essa situação, que seja um trauma, uma frustração, uma perda, me transformou... e embora eu saiba, saiba bem lá no fundo que tudo concorre para o bem, que até as adversidades são generosas no fim das contas, eu ainda não me convenço de que o presente é o meu lugar porque meu coração ainda olha para trás, nessa incansável busca por se remontar.
Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 13/11/2020
Reeditado em 14/11/2020
Código do texto: T7110996
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