Em boa companhia

Acho que é possível gostar e não gostar de uma mesma pessoa. É possível compartilhar lindos momentos, alegrias, segredos, planos, medos, problemas e sonhos. Mas, com essa mesma pessoa, pode-se passar também por situações inadmissíveis, detestáveis, que lhe façam mal, prejudiquem sua saúde mental, suprimam sua liberdade, tentem roubar sua essência e que lhe façam questionar o que realmente vale a pena.

É triste. Porque é bom, e é também ruim. Simples assim, apesar de tão complexo. Um fato claro, mas que não gostamos de ver. Preferimos olhar só o lado que nos agrada. Tentamos negar e justificar a parte ruim. É exagero, não? Não. É impossível que uma pessoa boa seja também esse monstro, não? Não.

Quem dera fosse só exagero. Quem sabe alguma insegurança a ser trabalhada. Mas, não. Infelizmente, pessoas doces, às vezes, são também amargas, ácidas. Nosso paladar confuso se distrai com o prazer delicioso, mas acaba corroído pela acidez e é abandonado à amargura solitária no final.

E isso tudo não significa que o lado bonito, doce e agradável não existe. Talvez essa seja a parte mais difícil de entender. Achamos que a maldade sempre invalida toda a bondade. Entretanto, os bons momentos podem ser sinceros. A alegria pode ser verdadeira. O sabor doce pode não ser ilusão.

E assim, na mesma pessoa, encontram-se essas duas faces. As duas sendo autênticas, ambas reais. Vale dizer que a questão aqui não é simplesmente qualidades versus defeitos. Somos todos imperfeitos e qualquer relação demanda aceitação de imperfeições. Faz parte ceder um pouco aqui e ali e aprender a conviver com os defeitos do outro.

O ponto é que, às vezes, o lado que se opõe ao bom é realmente muito ruim. E é difícil enxergar porque o lado agradável é realmente muito agradável. Mas, reforço o primeiro parágrafo: "situações inadmissíveis, detestáveis, que lhe façam mal, prejudiquem sua saúde mental, suprimam sua liberdade, tentem roubar sua essência [...]".

Quando é isso que está em jogo, é preciso perceber que, infelizmente, o lado bom não pesa o suficiente na balança. Porque esse lado ruim aí é pesado demais. E faz mal demais. E ninguém merece viver assim. É preciso coragem para abrir mão da parte boa, mesmo ela sendo boa de verdade. Coragem para salvar a si mesmo. Coragem para não voltar para os braços que ora aconchegam, ora sufocam. É preciso acreditar que existe algo bem melhor do que isso esperando você se libertar.

"Antes só do que mal acompanhado" ainda faz muito sentido. E talvez seja necessário estar primeiro só para, quem sabe um dia, poder estar bem acompanhado. De qualquer forma, podemos lembrar sempre de ser uma boa companhia para nós mesmos.

Dancker
Enviado por Dancker em 03/11/2020
Reeditado em 03/11/2020
Código do texto: T7103402
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