Fugimos da exploração capitalista como o diabo foge da cruz
Você já sentiu uma sensação de alívio, liberdade, prazer após um momento de estresse, chateação ou submissão a uma determinada situação que se fosse por sua vontade, acabaria antes mesmo de iniciar? Em alguma medida todos nós passamos por algo semelhante em nossas vidas, e se você não passou por isso, certamente irá passar. Contudo, eu não queria refletir sobre esse ponto especificamente, mas sobre uma situação que, para aqueles que são da classe trabalhadora, é uma realidade inexorável: a exploração capitalista. Não vou adentrar em um meandro de definições sobre o termo e muito menos retomar Marx, o velho barbudo que amedronta a burguesia até os dias atuais. Mas, de uma coisa podemos ter certeza naquilo que esse velho barbudo desvelou: o capitalismo como uma relação social marcada a ferro e fogo pela opressão, violência, desigualdade, etc. Venho pensando sobre essas coisas ultimamente e especificamente sobre o nosso lugar no mundo. A preocupação com a manutenção de uma materialidade mínima na vida sempre me fez retomar a esse ponto e talvez a aproximação com o marxismo tenha ai, um pouco de curiosidade em tentar compreender a própria realidade de carências materiais.
O fato é que todos nós que pertencemos à classe trabalhadora e temos um pouquinho de consciência de classe, fugimos do capitalismo como o diabo foge da cruz. E mesmo aqueles que se dizem “pobres de direita” o fazem como tal, defendendo a superficialidade do capitalismo que se mostra por um mundo de mercadorias e “trocas”. Embora a visão comum enxergue no capitalismo apenas uma relação de compra, moeda e satisfação das necessidades pelo consumo, o trabalho é um ponto central nessa reflexão. Nada se cria de forma espontânea, o trabalho, e em especial o trabalho humano é mais que necessário para a criação da nossa sociedade. Mas, vocês já pararam para pensar uma coisa sobre o trabalho e especificamente no Brasil, e que está ligado a uma procura frenética por empregos no Estado? Já se chegaram a perguntar o porquê dessa busca, da alta concorrência nos editais públicos? Eu tenho um palpite que parece ser bastante bobo, mas que para mim faz total sentido, estamos procurando uma forma de, dentro do capitalismo, experienciar uma relação de trabalho não capitalista, no qual nossa força de trabalho não seja explorada tal como é em uma empresa privada, com patrões e uma carga de trabalho que mortificada o espírito e o corpo.
Seja em qual área for, aqueles empregos vinculados ao Estado parece que dão uma sensação de “salvação”, de uma verdadeira descoberta de um paraíso perdido em pleno mundo capitalista. É aquela sensação de estabilidade e segurança que esse tipo de emprego fornece? Ou seria o fato de nem de longe um emprego no Estado seja um paralelo a um no setor privado ? Obviamente que aqui não há nenhuma romantização quanto ao Estado, e nem uma defesa do mesmo, pelo contrário, reflete-se sobre a forma como nós, em um país dependente, com alta desigualdade de renda e poucas oportunidades, enxergamos no Estado uma forma de sair do circuito de exploração do mercado de trabalho privado.
Alguns vão ponderar, falar que não seria bem assim, que um emprego enquadrado no regime “estatutário” tem seus problemas, mas, eu lançaria o desafio dessas pessoas abandonarem seus respectivos empregos e abraçarem o mundo corporativo e das empresas privadas. Tem-se uma coisa que é concreta, é a verdade, e para além de um mundo de “pós-verdade”, ou no qual a verdade é questionada, eu convido essas pessoas a assumirem funções em faculdade privadas, indústrias, bancos, enfim, numa miríade de organizações em que o trabalho é considerado como uma mercadoria, ai sim poderemos discutir sobre “verdade”, pois diante da concretude dos fatos e relações sociais, podemos até fingir que algo não ocorre ou acontece, romantizar e relativizar, mas tal realidade é como um pesadelo, que sempre vai bater à porta da nossa mente quando nos deitarmos para dormir.
É por isso que eu avalio que a maioria das pessoas foge do capitalismo como o diabo foge da cruz, ou pelo menos dessa relação de veda da força de trabalho. Viver no capitalismo é muito bom quando nascemos numa família burguesa, quando temos acesso, e quando somos parte da burguesia de países imperialistas. Mas, para a maioria dos mais de 7 bilhões de pessoas que existem no mundo, e especificamente no Brasil, viver no capitalismo é provar o saber amargo da angústia, do desespero, ansiedade e da busca por entrar no “Estado” e nesse paraíso perdido da terra. A meu ver, o reflexo dessa realidade é evidenciado no aumento da concorrência dos concursos públicos, do aumento da qualificação, quando comparado a momento anteriores do Brasil, do ensino superior, hoje, muitos entram numa universidade pública já pensando em saltos mais altos como o próprio ensino superior, ou no mínimo, fazer um concurso para município ou Estado, parece que trabalhar no comércio e nas empresas privadas é como um inferno na terra, se faz por sobrevivência mesmo.