NAS FLORES DO JARDIM, NA MÚSICA DO MAR
Eu queria fugir, mas avisando aos conhecidos e familiares.
Mas antes da viagem, deitado sobre a cama, meio isto:
No final da viagem, exausto pela caminhada, eu só terei feito dívidas.
E como tenho feito dívidas e reparado anseios.
E como a companhia de um domingo tem sido a ansiedade.
E como tantas coisas não são mais as mesmas.
Há alguns anos, ganhei um concurso literário, com uma obra sobre um passeio.
E daí que eu quis sair, procurar perspectiva. Mas e aí? Não lembro do outro passeio nada em mim ter mudado.
Mas enquanto escrevo isto, estou a repensar seriamente.
Só que na natureza, enquanto uma força atua, outra reage em sentindo oposto.
Agora eu ei de ficar, com todos os nervos devidamente descansados.
Eu ei de dispersar tudo isto e voltar a sofrer novamente em algum ponto no tempo.
Ou eu ei de crer que a solitude é passageira.
Uma vez eu encontrei companhia, mas a intensidade da alma dispersou o interesse.
Uma vez ouvi uma poesia - hoje mesmo - sobre que as almas não se encontram.
Corpos se encontram.
Almas se distanciam.
Nesse desejo absurdo de se querer a alma, me ponho a relatar meu descaso com a vida.
Não houve um momento sequer que esta situação não me desamparasse.
Só que eu nunca me canso de fazer o meu papel nessa batalha, como um boneco bobo a ir e a vir.
Ouvi tabacaria e me inspirei para estes versos, dentro deste universo.
Ouvi Abu recitar Pessoa como se ele fosse uma pessoa.
De certo que nesse momento eu não findo a dor, nem a inquietude.
Só que ao descer em disparada por estas palavras, sinto que me atiro do fundo do poço à superfície no outro lado da Terra, no Oriente.
E como verei belas gueixas se pintando e bordando em busca de seus rapazes.
Pobres gueixas que não sabem o quanto de Pessoa há nesses rapazes.
Ou fingem não saber.
Tenho inveja dessas gueixas.
Se arrumar, se deixar leve para que qualquer pessoa tenha espaço na sua vida.
Ou então não qualquer pessoa, mas a que o destino lhe desse.
As gueixas e os orientais são assim, e eu no Ocidente me ponho a deslumbrar da perfeita seriedade do olhar de quem não está apaixonado.
Se Álvares de Azevedo não tivesse escrito aqueles versos... Ah, Álvares de Azevedo.
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecer ao menos, se eu...
Não, está limitado nesse ponto.
Seu pobre Álvares de Azevedo, sou mais velho do que você poderia ter sido.
E nesse seu curto período de tempo coube uma dor imensurável.
No meu já elevado período na Terra, vão se diluindo os sabores.
Mário Quintana, não me analise.
Daí de onde estiver reparo nos teus olhos a soberba de quem deixou em palavras o que eu nunca pude evitar.
E daqui eu também te analiso.
No mais, se deitem as respostas dessa natureza minha que determino sem explicação, mas no fundo vaidade.
Somos só vaidade.
E ao respirar mais uma vez, noto que estou aqui, sim, na Terra.
E era o passeio, não era?
Ou era o anseio?
Passaram-se mais ou menos vinte minutos e eu poderia estar planejando.
Mas para que planejar o inevitável?
Uma pergunta tola como os sentimentos tolos que eu tenho. Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do rei!
Terei as dores que eu quero, quantas escolherei!
E nesse plágio, que mais despedida honrosa e digna de um ladrão de almas jogado ao relento por perder a experiência e a malícia da cura de qualquer pessoa triste e inocente, seria suficiente para enobrecer a bondade que não tem...
Chega por hoje, gentes... Nas flores do jardim, na música do mar.