A TRAJETÓRIA ONÍRICA
A doce infância é o único estágio que transporta a pureza dos anjos, do qual muito adiante restarão doces e nostálgicas recordações. Saudades dos amiguinhos que não sabemos onde estão e nem se ainda estão. E vem a adolescência, com a explosão dos neurônios, a responsabilidade dos estudos, os contornos iniciais dos sonhos, os namoros passageiros, as indecisões na consciência em evolução inicial, em um estágio instável, onde não somos mais crianças, mas também não somos ainda adultos, gerando conflitos na consciência em evolução.
Chega a fase adulta, e surgem o super-homem e a mulher maravilha, distribuindo o seu vigor em suas circunstâncias, de acordo com as convicções adotadas ao longo das experiências, cuja diversidade configura a individualidade do ser humano. Nesse estágio, cada um constrói o seu céu e o seu inferno, em exaustivos combates no interior da sua natureza. Lenta e individualmente, cada um se define na sua construção, e alguns “espertinhos” tentam, em vão, se acomodar “em cima do muro”, configurando o “morno”, conforme (Apocalipse 3;15,16), cujo destino não é dos melhores. Em alguns a definição é absorvida como definitiva, e nestes, fecham-se as janelas de entrada, pois decidem que as suas convicções são imutáveis e que não há mais necessidade de obter novos conhecimentos. Outros, ao contrário, mantêm suas janelas abertas, consideram sempre a possibilidade da aquisição de novos conhecimentos, que poderão alterar ou substituir as suas convicções, entendendo que a evolução deve ser admitida até o último momento de lucidez.
A fase dos idosos, de um modo geral, se traduz na consolidação da construção elaborada na fase adulta, podendo ocorrer exceções, pois a evolução é absolutamente individual no tocante às suas características, dependendo das potencialidades de cada um, as quais são propriedades imanentes ou intrínsecas de cada indivíduo. Alguns “estacionam” em um determinado momento da sua existência, outros evoluem até o limite final da sua lucidez e capacidade física. Em qualquer momento da existência podem ocorrer insights intuitivos, ou novos conhecimentos, que alteram radicalmente supostas convicções, mantidas irredutíveis por muitos anos.
Esse cenário sugere que sejamos cautelosos e flexíveis quanto às nossas convicções, prevenindo possíveis situações às vezes constrangedoras, proporcionadas por convicções mantidas tenazmente e que poderão acabar se desintegrando diante de novas experiências ou novos conhecimentos. Nesta etapa da vida, tendo em vista que a maioria dos idosos já saiu da insana corrida atrás do ouro, sobra mais espaço para o exercício da introspecção, quando podemos “viajar” no tempo que ficou para trás, avaliar o que foi absorvido ao longo do tempo, analisar o nosso desempenho, e projetar a nossa imaginação para o presente e também para o tempo que nos resta, decidindo como utilizá-lo, e não ficar de braços cruzados esperando o trem, para a última viagem. Muitos permanecem no caminho da corrida do ouro, estacionados nas futilidades, correndo atrás do vento, como fizeram por todo o seu tempo, e poucos descobrem o “caminho das pedras” e conseguem “andar sobre as águas”, contemplando a visibilidade do invisível, que se exibe nos insights intuitivos, como um privilégio pessoal e intransferível, que somente se propaga através do espírito. Para estes, provavelmente ocorrerá o encontro das respostas, que procuraram avidamente ao longo do tempo que ficou para trás.
Afinal, percebem que o caminho é individual, e que as experiências acumuladas são pessoais e intransferíveis, conferindo-lhes um percurso solitário, onde a comunicação mais profunda se restringe aos espíritos, pois a linguagem espiritual é incompreensível para a racionalidade, e somente ela é capaz de penetrar nas profundezas de Deus. Mas, essa solidão pode se tornar agradável, se ocorrer uma visível frutificação na videira do Senhor, o que é muito difícil nestes tempos sombrios, onde o ego corre atrás do vento em busca do Ter, e predomina completamente sobre o Ser, enquanto Narciso continua fascinado no espelho das águas, contemplando maravilhado, o esplendor da sua própria imagem...