Aprender a Amar

O amor incentiva contos, embeleza livros, produz filmes fascinantes. O amor, no maravilhoso universo da arte, é tão belo, tão grandioso, tão majestoso, tão cobiçado, mas na vida real parece tão doloroso, tão complexo, tão impossível de ser alcançado, tão trabalhoso para ser sentido. Isso porque na vida real o amor precisa dar conta de desafios que num livro talvez não dê tempo de descrever, precisa aplacar egoísmos que num filme nem sempre são explícitos, precisa afastar inseguranças que em contos podem ser inexistentes. A vida não é como num roteiro de cinema, tudo tão bem pensado, escrito, articulado, cada palavrinha colocada no lugar certo para que seja pronunciado no ato exato. A vida é cheia de improvisos e surpresas, acidentes e problemas. E o amor acompanha esse dinamismo em nada padronizado, é impossível saber o que vai acontecer pautados nas experiências dos outros, porque cada um de nós somos únicos apesar de nossas semelhanças, temos percepções únicas, sentimentos únicos, experimentamos dores de maneiras únicas e distintas. Uma mesma lágrima pode ser sutil no rosto de alguém, mas pode ser densa na face de outrem.

É por isso que o amor, na vida real, parece tão distante daquele retratado em novelas e séries. Nessas obras nem sempre ficam claras as diferenças entre os personagens, às vezes apenas as similaridades são mostradas e o casal já conquista nossa torcida. Mas no mundo fatídico as coisas são diferentes, nós somos a diferença encarnada. E por não assumirmos essa consciência, por não entendermos que cada um de nós é ímpar, dificultamos a vivência de um amor pleno e satisfatório porque não queremos amar o outro, queremos amar a nossa imagem projetada nele. Não necessariamente a imagem do espelho, mas a idealização que fizemos de alguém que seria digno de ter em suas mãos o nosso coração. Uma idealização cheia de egoísmos, de egocentrismos, repleta de nossos achismos, de nossas preferências, de nossa visão sobre o que seria a pessoa perfeita. Mas essa pessoa é inexistente. Por natureza, somos imperfeitos, estamos em constante evolução.

Quem ama não ama a sua personagem, a sua criatura, a sua criação. Quem ama é capaz de encontrar no outro uma imagem mais bela do que ele poderia ter imaginado. Aprender a amar envolve isso, envolve encontrar no outro as suas intrínsecas qualidades, aquilo que o torna único, que o faz insubstituível, que o torna especial em nossas vidas. Amar uma idealização é apenas uma manifestação de narcisismo. Mas amar o outro com todas as suas especificidades, esse é o amor verdadeiro, esse é o amor que vale a pena.

Para tanto talvez precisemos nos desvestir de algumas coisas, precisemos nos afastar de nossas exigências, precisemos compreender que nem mesmo nós seremos capazes de atender a todas as expectativas de alguém. Mas no amor não deve existir isso, ninguém precisa se preocupar com a expectativa de ninguém, expectativas são pessoais, que cada um resolva as suas. No amor a preocupação precisa ser maior, mais plena, mais real. O que “nós” queremos. No amor deixa de existir o “eu” para que exista o “nós”. Talvez seja por isso que temos tanta dificuldade de viver uma história de amor satisfatória que terá, sim, suas dificuldades, mas que amadurecerá com cada uma delas. Temos dificuldade em deixar o nosso egoísmo, em parar de querer tudo para nós, toda a atenção, todo o afago, tudo girando em nossa órbita. Mas o amor só existe sem egoísmos. Você só vai viver um amor de verdade se conseguir enxergar o outro.

Pode ser que não explicita, mas implicitamente essas coisas existem nas grandes histórias românticas, nós é que não percebemos. O amor implica em negociações, um cede para o outro, um respeita a vontade do outro, um pensa no outro. Amor individualista é autoestima. Relacionamentos amorosos não envolvem apenas a nossa própria imagem, relacionamentos amorosos exigem de nós a capacidade de amarmos o outro com todo o nosso coração e com todas as mudanças e renúncias que isso implica.

(Texto de @Amilton.Jnior)