amência - Ato I

a febre

a febre é toda uma situação, todo um processo,

um modo de as coisas não se acortinarem.

e o mundo, um baú, um poema, não os são exatamente.

os moldes são estabelecidos à curto horizonte.

talhando ao som de sinos e decretos.

um nevoeiro os cobrem. razia o sol na terra, na janela.

a febre alavanca um rebater de pássaros.

faz outros ventos, delata a névoa.

os homens, sempre tão apressados, se exaltam.

muito ardilosos instituem seus valores.

perduram suas relações nocivas. depois divagam...

é sempre muito cedo e demasiado tarde.

fecundam gerações assim.

– porque passo um tempo nas entrelinhas de cidades

e seu caráter onde nos prostramos é dogmático –

foi me defendendo de mim mesmo, despojando eus indevidos,

que me sorriu uma nitidez.

desfilando cá e lá entre a copulação dos homens e sua monarquia petrolífera, ela os assiste em suas lacunas.

seus cabelos significam o que os homens esperam para alcançar,*

e correm, envelhecem, e deixam legados.

seu nome é o extrato das coisas importantes e testemunha desde Caim.

sua voz desafina hinos nacionais, revela a parcialidade das legislações.

seus pés são os caminhos que lampejam entre suas escolhas.

ela estende os braços e descansa onde seus interesses não compram ações.

é viável entre os homens que sua luz não seja possível fora do mito.

que reflita um símbolo, um lugar, um ideal somente.

a fatalidade já nos espera, no asfalto, nas mãos frias,

nas estatísticas, nas finanças e outros sofismas.

é pela febre delirante que se compreende um santo ofertando um sol

a todos os demônios enfermos a claudicar sobre a terra

para ver outras alternativas que não fossem Deus.

os homens querem se curar da febre mas não admitem

que a febre é só uma ausência.

* (o homem anseia pela liberdade e não percebe que sua prisão é a própria mente.)