Escarro
Venho por pura falta do que fazer, tecer essas linhas vazias que pretendem sozinhas dar vazão à sensação que perfura meu nobre peito. Não me canso de brincar com as palavras e fazer com elas coisas bonitas ou mequetrefes, sabe, palavras que se unem e de repente se tornam parágrafos. Ideias que se concatenam em si em um único produto: algo translúcido e ao mesmo tempo fosco, daquelas coisas que você sabe o que é, mas se virar para o lado e voltar a fitar, parece que mudam de forma.
É assim que pretendo findar minha existência vazia. Por vezes acredito ser útil para o mundo ou para a humanidade, mas por vezes sinto que há uma inutilidade tão grande em minhas teorias utópicas e futurísticas que uma grande lata de lixo ficaria com medo de me ter como conteúdo. Não é vitimismo naquela forma tão simples e meiga de autodestruição: já passei dessa fase. E que ninguém ache que eu não invejo mais quem tem autopiedade, pois eu já tive e, ainda assim, tinha paz. Quanto mais você avança rumo a si mesmo mais você percebe o quanto gostaria de ser diferente. Quando mais você percebe o quanto gostaria de ser diferente, mais você se dá conta do egoísmo que existe para encobrir essa insensatez e te fazer continuar de pé, com algum valor valoroso gigante ou sei lá.
Um dia me disseram (não lembro quem foi) que eu devo ser melhor sempre. Ok. É algo bonito para se pensar. Mas ser melhor que quem, afinal de contas? Sei no fundo que é daquelas poesiazinhas bonitinhas que faço naqueles momentinhos de inspiraçõezinhas bobinhas para animar alminhas. Na verdade só aliviam meu ego e alimentam minha chama sem fim. Delírios de poeta a parte, tesouros de filosofar por aí como se fosse algo diferente do que existe no mundo. Bah, mas eu sinto que ninguém me entende, e ninguém me entende mesmo. Claro que não entende, porque eu nem quero, no fundo, ser entendido. Se for decifrado com extrema facilidade acabo por perder minha originalidade ou a diferença tão grande que tenho dentro de mim.
Mas alguma coisa em meus discursos ao correr da pena é óbvia, eu sinto como se fosse alguém que nem me conhecesse. Talvez seja o tom ou a atitude, talvez seja a escolha das palavras ou a forma como falo sobre o que sinto, o que vejo e o que sou (ou o que acho que sou). É um alívio poder desfrutar da sensação de despersonalização que às vezes me ocorre. É um alívio e um trauma, pois afinal de contas, sinto que sou vários em um, como se houvesse uma macabra roda de sansara girada todos os dias quando o dia nasce.
Esse delírio mal formulado e naturalmente escarrado foge à regra e que ótimo. Se eu não quebro minhas regras, elas não me pertencem.