Para o meu querido pai
Eu estou sentindo um vazio persistente. Costumava ser algo mais distante, até acontecer comigo. É sempre assim, por maior que seja a capacidade de se possuir alteridade. Olho, ao redor, e nada mais enxergo. São, apenas, móveis em seus lugares ou espalhados. Objetos jogados. Estados sem se reconhecerem. Cores incolores. O branco que apaga e não mescla para avivar. Sim, são pedaços que não podem mais ser juntados para fazerem sentido. Jamais farão. Não mais. Permaneço na expectativa de um aviso: tudo está em desalinho, pois nada foi real.
Espero você abrir a porta e me dizer que não passou de um terrível pesadelo. Eu queria mais um forte e longo abraço. Um beijo demorado em seu rosto. Mirar em seus olhos e lhe dizer o tudo não dito. Só queria você entrando por essa porta e ficando, aqui, para sempre. Foi tudo tão de repente em um dia tão repleto de paz, alegria. Por quê? Muito injusto! Sim, é o meu luto. Não há a possibilidade de se cogitar “o lado positivo da coisa”, já que ele não existe. Sabe-se lá quando se transformará em pensamento.
Pai, a vida foi cruel em um panorama de tristeza, de tanta maldade. Em um ano desastroso. Você se foi de mim, da gente, do nosso lugar-aconchego de enorme amor, união. Uma família abençoada e que eu, em nenhuma hipótese, desejei ser outra. Perfeita da forma que é. Sempre foi. Você partiu cedo demais. Mas, o que é mesmo “cedo” ou “tarde” diante do infinito carinho? Não seria consolador em nenhum outro espaço-temporal.
Estou, agora, a me ver contra-espelhada. Percebo os erros incorrigíveis. Eles são os primeiros a aparecerem e a pesarem a consciência da pior maneira. Noto como fomos felizes do nosso jeito nas nossas brincadeiras únicas. Tínhamos um modo de amar muito parecido. Lembro-me do seu cuidado, da sua singela atenção, das inúmeras explicações matemáticas, do seu sorriso inibido. Retribuir seria, infimamente, pouco. Não sei a palavra mais adequada.
Você sempre mereceu mais. Nunca conheci e nem conhecerei uma pessoa melhor. Acredito que a sua passagem tenha intrínseca relação com isso, o que pode ser mais “aceitável” na minha perspectiva, apesar do meu egoísmo de pedir sua presença neste lar. Lar que não sabe ser menos que cinco. Longe de saber.
Talvez, viver seja mesmo isso: nascer, criar vínculos e se deparar com a ida. É o processo de aprender a perder. Perder os amores amados, perder os instantes felizes, perder aquilo que se é a cada dia, posto estar mais próximo ao impermutável desconhecido. Perder o material insignificante, mas valorado por tanta gente sem noção. Perder, também, a memória, algumas células, a pele esticada. Envelhecer abrange tantas visões de mundo. Contudo, não estamos preparados para perder alguém tão importante, por maior que seja a sua luta, o seu cansaço/esgotamento, o seu interno confronto diário, mas eu sei que cada um deixa uma beleza dentro da gente. E, pai, você é a parte mais linda habitante em mim! O meu “adeus” se registra assim. Existe muito amor aqui dentro!