O QUE FOI, É E NÃO SERÁ

Atualmente, atravessamos um dos acontecimentos mais inusitados e indescritíveis de todos os tempos, a pandemia do Corona vírus, como uma assombração repentina em nossas vidas, que desestabilizou mercados e expôs a competência, ou ausência dela nos governos, afetando todos os aspectos de nossas vidas e vitimando um imenso número de pessoas por todo o planeta.

Tal calamidade mundial nos provoca certa perda de inocência, ao mesmo tempo em que diminui a condescendência por acreditar que estas tragédias só acontecem aos outros em lugares remotos, assim, nos remetendo a uma nova maneira de estar no mundo que irá mudar nosso fazer no mundo. A combinação de um vírus letal, planejamento inadequado e liderança incompetente colocou a humanidade em um trajeto novo e preocupante.

É plausível antecipar as mudanças permanentemente de nível social, econômico e na esfera política de forma que só se tornarão visíveis depois, muitas das quais já estão em andamento, e terão um cronograma de adoção acelerado.

Provavelmente tornará alguns países mais robustos reforçando o nacionalismo das nações que adotaram regras emergenciais para administrar a crise. É possível que alguns governos resistam em abrir mão desses novos poderes quando a crise passar.

Todavia, a natureza fundamentalmente conflitiva da política mundial não mudará, prenunciando um mundo menos aberto, menos desenvolvido e menos livre, pois, a crise de saúde mobiliza absolutamente governos, empresas e sociedades a reforçar sua competência de lidar com longos períodos de auto isolamento econômico.

Dado ao empobrecimento, ora acelerado, de várias nações e o crescimento oportuno de poucas outras, podemos pressentir que o mundo não retornará ao pensamento de globalização reciprocamente favorável em prática no princípio do século XXI, pois, na ausência do estímulo para salvaguardar os proveitos e vantagens comuns da agregação econômica mundial, a construção convencional de governo econômico global do século passado irá diminuir e enfraquecer celeremente, motivando uma quebra de cooperação global e uma disputa antagônica geopolítica desmedida. É possível que estejamos testemunhando o final da globalização econômica.

Tornamo-nos a geração dos mascarados, distanciados e recolhidos como humanidade. Em alguns casos, os cuidados que esta crise nos incutiu, de tão rigorosamente observados, há instâncias em que os dias se misturam na semana. Não tem nada que nos aliene mais do que a incapacidade de dizer o tempo.

Em nossa tendência de julgar a validade de uma ideia e das coisas por nossa reação emocional à elas, como a maneira como nos sentimos para responder a questões comuns, específicas e nos guiar em nosso dia a dia, usamos o conhecimento acumulado do mundo adquirido ao longo da experiência, contando com nosso senso de observação da passagem do tempo.

Construindo uma infraestrutura que torna impossível esquecer, olvidamos que mudar o que significa lembrar, muda o que significa ser.

À proporção que tudo se torna digital, um emissário da cultura que ora está se materializando, mesclamos memória genuína com armazenamento. Apesar de imperfeita, falível, maleável e desaparecer com o tempo, como num ensaio e eco da mortalidade, nossas habilidades naturais limitadas de lembrar, distorcer e esquecer são o que nos torna quem somos. Todos têm boas ocasiões de alegrias e maus momentos de dor e decepção que aos poucos se distanciam no passado.

Seria interminavelmente caótico relembrarmos, além das boas lembranças, os momentos de erro, decepção e ira revivendo-as emocionalmente. Todavia, há circunstâncias que gostaríamos de lembrar, mas também esquecer.

Digitalmente, o processamento, a gravação e a transmissão prefigurados de nossas ações cotidianas incorporadas numa memória externa acessível constroem o banco de dados global de memórias distribuídas e pesquisáveis de traços passivos, semi passivos e ativos que produzimos, em qualquer tempo ou lugar, prenunciando uma futura geração adulta cujas vidas inteiras estarão embutidas num registro de banco de dados em algum lugar.

Contudo, será impossível esquecer se pesquisarmos, e mais difícil de lembrar, pois mudará a nossa capacidade de lembrar naturalmente o que tudo é, foi e não foi.

J Starkaiser
Enviado por J Starkaiser em 29/08/2020
Reeditado em 02/09/2020
Código do texto: T7049717
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