Sempre usada

Como se não bastasse a guerra que travei contra mim mesma na busca de esquecer todas as lembranças que me fazem te querer todo dia, ainda tenho que lidar com a dor da ferida que você deixou aberta.

Ela ainda dói, sempre dói. E mesmo doendo ainda permito que a toque, ainda permito que me toque na ânsia de sentir uma coisa qualquer. Sádica e ingênua. Enganada pela lábia daquele que sabe tão bem sobre os meus pontos fracos o entreguei meus lábios, e depois o corpo, e depois a alma.

É porque a tua voz rouca e o bafo quente ao pé do ouvido me traziam a calma. Falsa calma que surge quando estou no calor desse abraço e que não evita o caos que se instala quando eu me vejo sozinha no meu quarto pensando sobre o jeito como você me usa. Usada como aquelas camisetas velhas que você só tira do guarda roupas pra limpar o gozo. De novo, sempre usada. E de tão usada abatida, e de tão abatida submissa. Servindo aos teus desejos e me servindo das sobras, do que sobra de você pra mim, que é quase nada.

Não é sobre ser o teu segundo plano e sim sobre estar sempre em segundo plano. Sempre escondida. Entrar depois que todos dormem e sair antes que alguém acorde e me veja. E o pior de tudo é que eu só queria ser vista. Eu queria que me enxergasse com outros olhos. Queria que me olhasse dentro dos olhos e me falasse qualquer coisa que me fizesse sentir importante, só um pouco importante.

Todo começo de semana essa tristeza e todo fim de semana a vontade de errar de novo, de te dar ouvidos e voltar pra dentro daquela tua casa bagunçada. E eu sempre volto. Eu sei que vai doer outra vez e eu volto.

É que eu me contento com pouco, eu tenho que me contentar. O teu meio sorriso ao me ver entrando pela porta já me dá motivos pra voltar, e ficar. Eu fico e a cada noite deixo outro pedaço de mim. Fadada a voltar pra casa vazia, voltar sem nada teu e a cada vez com menos de mim. E viver esperando o dia em que tudo isso vá valer a pena, toda essa permuta por amor na qual eu saio sempre lesada. Sempre usada.

Sempre boa pra transar e nunca boa pra assumir. Nunca boa o suficiente, não pra ficar de verdade. Nunca boa pra ser algo de verdade.

Isso é tudo tão confuso, num dia te escrevo sobre amor e no outro sofro.

E acho que isso tudo nem é sobre o amor. Me arrisco dizer que comicamente é sobre o oposto. E pra mim, nesse caso, o oposto do amor nem é o ódio. Pensando sobre tudo que sinto, eu acho que o oposto do amor é a minha falta de amor próprio.

Angelica Stefaniak
Enviado por Angelica Stefaniak em 02/08/2020
Reeditado em 22/12/2020
Código do texto: T7024646
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