Sociedade bestializada
Já houve tempos que não só falávamos com saudosismo do passado, mas também vivíamos o próprio presente com saudades das próprias vivências. Vivíamos na esperança de que esse tempo presente fosse eterno. Senão, eternizado por nós... Aquele momento era mágico!
Nesse tempo, nossos sonhos não buscavam atropelar os eventos e seus sujeitos...
A inveja não se encontrava no roteiro dos valores, mas a alegria de compartilhar cada conquista alcançada que, na maioria das vezes, era conseguida por uma árdua luta em todos os sentidos, lutando contra as mais variadas adversidades: financeira, de oportunidades, de falta de informação, de pouco acesso ao conhecimento, entre tantos outros... Às vezes, sem grandes estruturas sociais, política e econômica do “lugar” que estávamos inseridos. Mesmo assim, essas coisas nunca foram obstáculos para desistirmos de vencer na vida, à busca pela vitória!
Essa sociedade de outrora, mesmo com tantas dificuldades em sua infraestrutura, e fragilizada tecnologicamente, nunca deixou de ser uma sociedade Forte de princípios e valores formadores do caráter, de civilidade, de respeito e de amor ao próximo. Não era uma sociedade perfeita, e nunca será...
Às divergências não significavam nem significam imperfeição, mas o desafio de saber conviver com todas elas, nos trazia, pelo menos, o conforto do respeito e da tolerância que precisava existir, e que não alimentava o direito ao ódio e ao rancor.
Assim, aprendemos a respeitar as diferenças, mesmo não concordando com elas. Hoje, em tempos mais “avançados” pelo discurso de “humanidade”, retrocedemos às práticas do modo de produção comunal primitivo, comportando-nos como hordas desnaturadas de civilidade, que jaz em discursos e palavras de ordem regradas pela hipocrisia e mediocridade.
Hoje, não são poucas as pessoas que buscam dilacerar o Estado-Nação, em nome de seus soslaios ideológicos, impondo um sentido de comportamento que acham certo, menosprezando o que a história e a tradição conseguiram consolidar com o tempo, e que possibilitou construir valores para a vida. E isso é uma forma “legítima” de dizer que respeita as diferenças?
Tantos discursos sobre “democracia” com práticas ditatoriais...
Tantas vazões emocionais sem razão alguma...
Tanto eu, tanto eu, e quase nenhum outro...
Tanta gente postando rios e mares de felicidade no mundo virtual das Tecnologias da Informação e Comunicação –TIC’s, com imagens e perfis que não condizem com a realidade vivida...
São atores da vida real com perfis falsos, desencontrados em seus próprios entendimentos. Em sua própria natureza de viver.
Um jogo de falsas “verdades”, de vazios, mediocridades e de solidão, que opta pelo “insensível”, em deixar de sentir a pele, o palpável, transferindo às redes sociais, a sublime missão de poder demonstrar, "presencialmente", o que se sente.
Pessoas muitas vezes presas pela própria ingenuidade de pensar que pensa; de achar que pensa; e que não pensa nada! Estão desencontradas e não se percebem...
Assim é viver em uma sociedade bestializada, onde princípios e valores que nortearam a conduta e o respeito de gerações passadas foram lançados ao anátema, ressignificando a ideia de caráter pessoal como algo mutante e passível das inquietações mal resolvidas.
Nesse espaço de convivência, o sentido de virtude passa a sofrer mutações, podendo vir a ser defeito. E fazer o que todos fazem parece ser o código, a senha de acesso indispensável para ser aceito e respeitado nessa medíocre sociedade.
Dessa forma, instiga-se para que percam suas singularidades e passe a apresentar-se como algo plural dentro do singular. Com isso, não se percebe que estão perdendo sua identidade, tornando-se um ser BESTIALIZADO!
Minha esperança está no devir!
Luiz Carlos Serpa
Recife, 27 de julho de 2020.