Quando dizemos coisas impróprias

Uma vez, ainda muito criança, eu assistia a um programa educativo e nele duas personagens, que faziam o papel de mãe e filha, falavam sobre câncer de mama e a mãe falava que, descobrindo cedo, curava-se fácil. A filha retrucava que câncer não tinha cura e a mãe rebatia que tinha sim, que ela precisava ler e só pensava besteira. Eu pensei que me sentiria ofendida se alguém falasse assim comigo e hoje penso que a frase foi mal colocada e fora de contexto, afinal, o certo seria dizer que a moça não estava bem informada. Teria ficado melhor se os roteiristas tivessem colocado para a mãe dizer: “Você não está bem informada acerca do assunto.” Dizer a uma pessoa que ela só pensa ou fala besteira é dizer que ela não tem nada na cabeça, pensa apenas em coisas fúteis, insinuando mesmo que é pouco inteligente. Uma coisa é não termos muito conhecimento sobre um assunto. Outra é pensarmos somente em coisas fúteis.

Outra frase que achei fora de contexto e inadequada foi em um programa antigo baseado nas lendas do Rei Artur. Nele, Percival, um dos cavaleiros do rei, ao comentar sobre o fato de que o rei Artur tinha chorado a morte de seu irmão adotivo Kay, falou de maneira zombeteira para outra pessoa: “Ele chorou como manteiga derretida.” O que eu acharia se alguém, na minha frente, falando com outra pessoa, zombasse de mim ao falar como eu havia chorado a morte de uma pessoa que eu gostava? Com certeza, uma atitude grosseira e insensível, na qual esse alguém debochava dos meus sentimentos. Além de tudo, o que o cavaleiro Percival disse jamais aconteceria na vida real, sendo mesmo inverossímil. Como alguém a serviço de um rei, ele jamais teria tal liberdade de agir de forma tão zombeteira. Esta com certeza foi uma coisa bem imprópria de se dizer.

Mas, se repararmos bem, quantas vezes não falamos coisas bastante inadequadas que causam raiva, aborrecimentos, mal-entendidos e lágrimas aos olhos de tantas outras pessoas? E, ao tentarmos corrigir, podemos piorar tudo? Vemos isso acontecer quase o tempo todo? Quantas mulheres, em festas de família ou em qualquer outra ocasião com bastante gente reunida, não foram humilhadas pelos maridos ao tentar opinar sobre algo? Não são poucos os maridos que não perdem a chance de dizer: “Querida, você não entende nada desse assunto.” Não é terrível um marido tratar a mulher como idiota na frente de um monte de gente que nada tem a ver com eles?

Ainda lembro o caso de uma moça que confessou várias vezes como se sentia humilhada com a maneira como os pais agiam com ela. Num acidente doméstico, ela derramou acidentalmente sopa em si mesma e, enquanto chorava, o pai, em vez de socorrê-la, falou que ela era sempre culpada de tudo. Se ela adoecia, o pai dizia que Deus a estava castigando por ser ruim e uma vez, a mãe, porque ela não era boa em Matemática, reclamou dela – na frente dela – para pessoas de fora da casa, falando o quanto a filha era lenta e não aprendia operações tão simples.

Ainda que saibamos que precisamos tomar cuidado com o que dizemos, nem sempre conseguiremos dizer a coisa certa ou, quando nos dermos conta, já dissemos aquilo que não deveria ter sido dito, desejando que desse para voltar atrás para não dizer tolices que simplesmente queimam nosso filme, dando aos outros uma impressão desastrosa a nosso respeito. E uma boa história que mostra bem como às vezes não dá para desfazer a má impressão causada por palavras inadequadas foi uma entrevista concedida vários anos atrás pelo ator Vitor Fasano, que era então um galã da Globo. Na entrevista, o ator falou tantas coisas impróprias que muitas pessoas fizeram piadas dizendo que ele era um belo exemplo de homem bonito e burro, acusaram-no de nazista e até de racista.

Na primeira pergunta, quando o jornalista perguntou se ele era gay, Vitor disse: “Isso eu não posso responder.” O próprio jornalista disse que aquilo já era uma resposta. Com certeza, teria ficado mais bem colocado se ele houvesse dito: “Não, mas não tenho preconceito contra quem é.” Se ele é homossexual e não quer assumir, não é problema de ninguém. Porém, tal resposta acabou por suscitar dúvidas e – sejamos sinceros – foi bastante estúpida.

Mas a resposta mais estúpida dada pelo galã foi esta: “Algumas ideias nazistas são excelentes." O ator disse que ideias nazistas podiam ser aplicadas no tocante ao cruzamento de animais, dizendo que se devia escolher bem os genitores. Bem, é verdade que, se criamos cavalos, porcos, cachorros ou bois e queremos descendentes saudáveis, temos que escolher bem os genitores, até para não gerar uma prole doente. Entretanto, dizer que há ideias nazistas ótimas soou bem inadequado. Dá mesmo margem a acreditar que o ator seria adepto de ideias eugenistas. Creio que ele não tinha má intenção e queria apenas falar sobre a importância de escolher genitores adequados (animais) para procriar, mas teria sido melhor se ele houvesse falado de Darwin e da evolução.

Falar sobre o nazismo é sempre correr o risco de pisar em ovos pois, embora se saiba que o nazismo possa ter feito coisas positivas como combater o tabagismo, isso não diminui o mal que o regime fez na Alemanha e no mundo. Também não devemos esquecer que Stálin combateu o analfabetismo e fez da ex-URSS uma grande potência industrial, o que não minimiza as muitas mortes do regime stalinista, que foram ainda mais numerosas que as do nazismo.

Qualquer um que quiser saber o que é eugenia e pesquisar sobre nazismo saberá que os nazistas faziam experiências no sentido de buscar o aprimoramento racial, por crer que a raça ariana era superior. Aliás, além dos judeus, os nazistas também eliminaram homossexuais, ciganos e deficientes físicos e mentais. Uma boa forma de saber como pessoas com deficiência mental foram mortas é o excelente filme Amem, em que vemos, numa cena pungente, crianças com deficiência mental sendo mortas na câmara de gás.

O próprio ator se desculpou depois, dizendo que nunca quis ofender ninguém. Entretanto, até hoje ele – que processou a editora Abril depois alegando que ela o fez parecer homofóbico, racista e nazista - é lembrado por essas suas declarações desastradas. Ao falar de forma favorável sobre certas ideias nazistas, ele perdeu uma boa chance de ficar calado. Esta foi a verdade.

Seu discurso lembra o do professor de História sobre o qual escrevi uma crônica. Esse professor diz que os brasileiros são subdesenvolvidos e não têm determinação por ser resultado da mistura de raças e que os europeus, por serem raça pura, tinham mais determinação. O professor reforça suas afirmações dizendo que os cães de raça têm um objetivo porque são puros, ao passo que os vira-latas não. Ele também não gosta de pessoas com deficiência ou com problemas, pois disse que era perda de tempo um rapaz com paralisia cerebral fazer faculdade e que não queria um menino autista na sua casa ao saber que o mesmo queria entrar para brincar com o cachorro de estimação da família. Ele até pensa que autistas são psicopatas.

Bem, é bom lembrarmos que tudo que falarmos causa impacto, seja grande ou pequeno. Então, tenhamos sensibilidade para nos colocar no lugar da outra pessoa para não dizer coisas que causam mal-estar e podem nos tornar mesmo alvo de ódio. Assim como o ator Vitor Fasano, muitos são os que tiveram a imagem prejudicada por causa de palavras que usaram sem pensar.