Monólogo com meu amigo Zé.

- Oi Zé. As coisas não tem sido fáceis, sabe? O espaço interno está por me revirar. É difícil quando você têm dentro de si tantos leões adormecidos.

- (Silêncio)

- Sim, Zé. Diz respeito a forma como tratei tudo ao longo da vida. Um acúmulo de lixo nos porões que habitam em mim. E quando não tinha mais espaço, tratei de construir caixas e mais caixas. De forma que tenho cômodos cheios delas.

- (Silêncio)

- De repente as pessoas chegam, Zé. E eu não sei como lidar em alguns pontos. Está certo, eu tento. Não é de todo ruim, pelo menos ainda me há coragem.

- (Silêncio)

- Mas é difícil, sabe Zé? É difícil confiar quanto nas experiências passadas vocês que tanto se dedicou, de repente foi deixado para trás. É difícil acreditar, quando se foi enganado por quem mais deveria ter te apoiado. É difícil ter tranquilidade quando se é tormenta.

- (Silêncio)

- Eu tento, Zé. Sei que é preciso separar o que é meu, o que é dos outros e o que é nosso. Ainda há um caminho extenso e as pessoas que permaneceram e as que virão, não têm culpa do que outras fizeram. Quem sabe nem há culpados. Embora eu acredite na tal da "responsabilidade emocional".

- (Silêncio).

- Tu sabes, Zé. Eu acredito na política das pequenas atitudes, dos detalhes, dos contornos e das substâncias. No diálogo da verdade, que imprime respeito, cumplicidade e consideração.

- (Silêncio).

- São os detalhes, Zé. Os detalhes. Não perca a capacidade de os perceber. Os pássaros ainda cantam, as borboletas ainda dançam. As gotas de chuva ainda caem. O sol e a lua nos iluminam. A noite ainda pode nos tocar. Os dedos ainda acariciam a superfície da pele. As palavras podem aquecer o coração. A verdade ainda edifica.

- (Silêncio).

- É preciso coragem, Zé. Almejamos tanta coisa na vida, focamos em algumas. Internalizamos de forma irracional. E perdemos o processo, os detalhes, as sutilezas, a construção, os rabiscos, as cores, sons e sabores. Isso não serve, Zé.

- (Silêncio.

- Espero que com você seja diferente, Zé. Que os dias nunca te passem despercebidos. Que teus ouvidos sempre estejam em alerta. Que os cheiros te despertem. Que os sabores te façam viajar. Que as palavras te confortem e as ações te engradeçam. Que os detalhes se façam presentes de forma a te elevar. Te desejo felicidade, Zé. A vida é como a gestação. Mas não sabemos o que nos espera no final.