Olhada da varanda
Da varanda do meu apartamento eu vi a pandemia passar. Na quarentena as ruas vazias. Pessoas com máscara. O medo instalado em seus olhos.
A obrigação de ficar em casa. A hora de sair a rua para trabalhar. A necessidade de planejar o futuro sem ainda ter superado o passado. As cortinas se abrem e se fecham ao bel prazer dos Deuses.
Os passos antes constantes, hoje lentos. O aperto de mão frio, hoje proibido. O abraço antes nunca dado, hoje chorado necessário.
O pedido de socorro de quem precisa encontrar o caminho. As mãos sedentas. O sofrimento iminente.
Alguns o isolamento social era apenas um momento de ficar em casa. Para outros era um sim a vida, mas um não a comida, ao trabalho.
Teve gente que estava bem cuidada vendo live e pedindo delivery. Outros com dor de cabeça, barriga roncando e a preocupação de não ser despejado.
Da varanda vi carros passando e sempre olhares despreocupados. Outros a pé, com as mãos estendidas pendindo comida. Ou de bicicleta ou moto entregando e sentindo o cheiro sem poder comer.
Vi quando 90 dias depois a padaria abriu e as pessoas sentadas em um banco apoiados em uma mesa devoravam seus lanches.
Da varanda passei 90 dias vendo carros e mais carros parando e distribuindo quentinhas aos moradores de ruas aglomerados na praça.
Eu vi na praia enquanto entregava pelo delivery na minha bike, aglomerações de pessoas no calçadão da Praia de Iracema. Gente sem máscara, bebendo cerveja, aos montes.
Gente que a pandemia foi só um tempo de ficar em casa. Mas que eles estão aí de novo para curtirem vida, como se nada tivesse acontecido. A não ser que eles não poderiam ter onde postar as fotos dos restaurantes e das comidas chiques que eles comiam.