ORTODOXIA CRÍTICA: UMA BREVE CRÍTICA À CRÍTICA.

Desde o início da modernidade, e sobretudo da Pós modernidade, nenhum réu tem sido mais vociferado e linchado do que a ortodoxia. Digo ortodoxia, não apenas no sentido teológico da coisa, mais sobretudo, naquilo que tem sido conservado ao longo dos milênios da história da humanidade. Essa, tem sido encarada, pelos juízes contemporâneos, como a mais cruel de todos os acusados, sendo sentenciada, sem qualquer direito de réplica ou de ampla defesa.

A sociedade atual orgulha-se por ser a mais crítica de todos os tempos; de problematizar ( leia-se liquidar) todas as ideias de tradição; levando consigo, a todas as ciências (sobretudo as humanas), o codinome de crítica: História-crítica, pedagogia-crítica, sociologia-crítica, e pasmem, matemática crítica, e ainda pós-crítica ( que em nada critica a crítica, mas apenas lhes dá uma nova roupagem).

Diante de tudo, os críticos ou pós-críticos esquecem que o conceito de crítica está relacionado à “arte, capacidade e habilidade de julgar”. E de que forma há julgamento se apenas há acusação? Seria, de fato, uma crítica, se não há a oportunidade de averiguar as próprias contradições da crítica? Não seria a crítica capaz de ser criticada?

Analisemos primeiramente uma primícia: a de que toda crítica supõe uma ortodoxia. Não se critica algo por achar que aquilo que é criticado é ruim, mas exatamente por achar que aquilo que acredita é bom ou melhor. Desta forma, a crítica oculta um conjunto de ideais e convicções bem sólidas, e que, por tanto, já é, ou está a se tornar, uma ortodoxia não-ortodoxa, ou seja, permitindo que um sujeito, com base em suas próprias convicções, critique a convicção dos outros.

Pensemos agora em outro ponto: Toda crítica não é autocrítica! Se a crítica se autocriticasse enquanto estivesse em ação, ela automaticamente se pulverizaria antes de sua conclusão, isso porque, enquanto ela estivesse questionando algo, ela necessitaria questionar sua própria questão, e dessa forma entraria em um ciclo interminável. Por tanto, toda dúvida e crítica resguarda uma certeza!

Compreendendo esses conceitos de crítica, faz-se necessário permear alguns campos da ortodoxia. A ortodoxia, por ser estritamente histórica, ela leva em consideração aquilo que os antepassados construíram: seu legado, suas escolhas, seus materiais (simbólicos e físicos) e seus personagens. É sabido que quem carece de história, se farta de equívocos. Isso porque, existem pelo menos dois tipos de se minimizar erros: aprendendo com os próprios, ou aprendendo com o dos outros. A questão é: quando se falta elementos históricos suficientes, o que resta é a memória histórica!

A memória histórica, compreendida aqui, é a espécie de valores, tradições e ensinos que se mantém frente o passar dos séculos, mesmo quando já não se tem história sobre ela. A memória histórica é aquela que me diz que uma serpente pode matar alguém com sua picada peçonhenta, mesmo eu nunca tendo me deparado com uma serpente. A questão é que, se por um acaso, eu me deparar pela primeira vez com umas dessas víboras eu irei fugir dela, porém, se duvidar de tal tradição, irei correr para seus braços.

A ortodoxia, além de ser preventiva, também é cicatrizante. Um médico não pode, de forma alguma, passar algum medicamento se não for com base na ortodoxia médica (anos de tradição científica). Da mesma maneira, quando a humanidade resolve reinventar-se e descobre que sua reinvenção não passou de destruição, a voz da ortodoxia convida para uma reconstrução cirúrgica. Sendo assim, quando a sociedade se encontra enferma ou tendo escolhido um caminho de precipício, a ortodoxia lhe oferece a tradição médica e lhe convida a voltar atrás e escolher outra vereda.

Pode parecer, porém, para o ortodoxo não-ortodoxo, que a ortodoxia é sempre estática. Isso não é verdade! Ela é rígida e maleável em simultaneidade. Ao mesmo tempo que a ortodoxia religiosa, por exemplo, afirma que há um livro sagrado imutável, ela permite diversas teologias com múltiplas perspectivas. Desta maneira, a ortodoxia assume o paradoxo da imutabilidade e maleabilidade. Seria, mais ou menos como uma mola, que se estica e encolhe, porém, com a mesma estrutura, ou seja, ao mesmo tempo que mantém a sociedade sóbria com sua estrutura rígida, ela se adequa ao espaço-tempo, bem como a mola sustenta um objeto e ao mesmo tempo se contrai ao entrar em contato com o mesmo.

Para concluir, a ortodoxia também é crítica. No entanto, enquanto a crítica não-ortodoxa questiona: porque não mudar? A crítica ortodoxa indaga: porque mudar?. Enquanto a primeira visa a novidade, a segunda olha para as consequências; enquanto uma despreza o passado, a outra, aprende com ela. É somente na ortodoxia que a humanidade ainda é humana!