Banalizaram a Vida

Quando você escuta que para salvar a vida de alguém o critério utilizado é o de que merece ser salvo aquele que representa menos gastos, então você compreende o que significa deixar o dinheiro subir à cabeça, o que representa estar acorrentado a uma sociedade que se pauta apenas pelo mercado, pela ostentação do luxo, pelo consumismo desenfreado que a uns enriquece e a outros dá a falsa sensação de fazer parte do mundo. Mas para fazermos parte do mundo não é necessário estarmos atolados em ouro, não é necessário que vivamos em uma mansão, não é necessário que nossas posses sejam exibidas aos quatro ventos, para fazermos parte do mundo basta que saibamos que a materialidade com o tempo se corrompe, perde o valor, a serventia e a única coisa que importa é a nossa espiritualidade, o que temos dentro de nossas almas e que, ao ser compartilhado com o mundo, assegura paz e sorriso.

Infelizmente estamos presos a um pensamento desumano, a um universo no qual a economia importa mais do que a vida, onde as pessoas se arriscam ao próprio fim para conseguirem um pedaço de pão. Enquanto uns poucos trancam-se em enormes casarões, protegidos do frio, distantes da dor da fome, livres do pavor da violência, outros tantos amontoam-se em casas sem ventilação, convivem com o esgoto a céu aberto e procuram restos no lixo para sararem a dor da fome. Esse é o cenário desigual que nos assola, um cenário fortalecido por discursos repulsivos que apregoam que os privilegiados suaram a camisa enquanto que os injustiçados escolheram essa realidade de miséria ao não se esforçarem o bastante.

E, então, quando um ministro da saúde vomita sua arrogante crueldade dizendo, em outras palavras, sem a menor demonstração de dor no rosto, que entre a vida de um idoso e a de um jovem opta-se pela a do jovem por considerar um investimento enquanto que arriscar salvar a de um idoso que pode já estar no fim de seus dias é um gasto, os anestesiados pelo falso discurso da prosperidade aplaudem, repetem e defendem, banalizam a vida esquecendo que um dia serão velhos, estarão doentes e sentirão na pele o resultado de um pensamento assustadoramente mesquinho. Fato é que a ética médica deixa claro que numa situação de precariedade as pessoas que possuem maiores chances de responderem ao tratamento eficazmente ganham a vez, mas quero acreditar que para os bons médicos, aqueles que juraram defender a vida acima de qualquer coisa e escolheram tão nobre profissão por amarem o ser humano, não seguem o protocolo como robôs irracionais, por certo que sentem a dor de serem incapazes de a todos salvarem.

É justo nos silenciarmos perante um discurso que banaliza a vida? Que inferioriza a existência humana porque uns são jovens e outros idosos, letrados ou analfabetos, ricos ou pobres? Não é a vida um direito humano? Onde estão aqueles que bradam contra o aborto e demonizam aqueles que o praticam, mas ficam em silêncio quando homens desumanos acham normal que uns “velhinhos” morram? Não são os idosos dignos de uma vida sossegada que os recompense pelos muitos dias de esforços?

Estamos nos perdendo de nossa humanidade por acreditarmos que a economia é mais importante do que qualquer outra coisa nos esquecendo de que doentes não conseguem produzir, pessoas famintas não têm forças para trabalhar, analfabetos não conseguem as mesmas oportunidades que doutores. Devemos desejar pelo crescimento, pelo sucesso, mas não podemos alcançar a ascensão tendo sob nossos pés uma mantenha de corpos. É possível que cresçamos todos juntos!

< Texto de @Amilton.Jnior >