Uma Latinha
Era um dia comum, uma manhã ensolarada, lá estava eu no centro da cidade, tinha saído bem cedo de casa para resolver umas pendências bancárias. Naquela manhã os motoristas seguiam impacientes, as pessoas passavam com toda a aspereza e arrogância, os moradores de rua se arrastavam-se aos cantos da cidade, um dia típico urbano.
Em meio a monotonia avistei uma criança, mas não era uma criança qualquer, um menino que aparentava ter quatro a cinco anos de idade, moreno, vestia-se de roupas simples, surradas e desbotadas, ao seu lado estava sua mãe com uma mochila preta, bem velha nas costas, cabelos pretos longos amarrados para trás, vestia-se de roupas simples também. Eles andavam de mãos dadas, ela com um olhar preocupado, sofrido, como o de quem não dormia bem a algum tempo, infelizmente nunca sabei tal motivo daquele olhar cabisbaixo. Ao contrário o menino apresentava um olhar inocente com brilho nos olhos, ao andar esbanjava confiança, sentia-se seguro. Surpreendentemente ele se abaixou com calma e com aquelas suas mãozinhas meigas e agraciadas pegou uma simples latinha vazia de cerveja que estava em sua frente, em seu pensamento ele sabia que sua mãe tinha o costume de pega-las, ela juntava as latinhas que encontrava para vender em um ferro-velho. Ele estendeu a latinha em direção a sua mãe, ela sorriu carinhosamente, uma energia carismática, divina de ser registrada, acredito que pouco observável. Ela jogou a latinha no chão amassou com os pés e colocou-a na bolsa com cautela. Os dois seguiram caminhado em passos vagarosos, a criança demostrava-se satisfeita por ter ajudado sua mãe, e a mãe orgulhosa de seu filho por ajudá-la.
Naquele momento foi perceptível, a felicidade não se materializa em preposições da sociedade, como por exemplo, a virtude financeira. O ímpeto da vida é ligeiro, assim como uma latinha pode ser fator coesivo de satisfação, felicidade, e carisma, existem tantos outros acontecimentos maravilhosos podem gerar impactos semelhantes. A satisfação deveria estar sempre no presente, mas parece que nunca percebemos que o ápice da existência está acontecendo agora, pois o tempo de vida se reduz a cada badalada do relógio. O quanto vale um dia de existência bem aproveitado? É fácil responder, compare com os dias de existência desperdiçados.
A cena aconteceu de forma poética, mas quantos momentos poéticos se dissipam por falta de percepção. Os momentos mais prazerosos são encontros de percepções e emoções expressivas. É preciso muita vivacidade para ter tal lucidez. Mas os impactos positivos que recebemos são tão brilhantes, específicos, inusitados, é infelizmente não podemos fazer com que eles se repitam com o mesmo teor de encanto, ainda mais se nem percebemos a existência deles, é uma “pena” que muitas cenas poéticas se percam no tempo.
Mas não se preocupe, no fim a gente se perde no tempo, é percebemos que a poesia da vida que não demos valor, se foi, de maneira que ainda deixou a desejar.