ESTOU FARTA
Estou farta deste mundo obscuro e repleto de maldade trajada de dor. Um mundo que te bate
e te quebra por inteiro, sem se importar com os seus valores. Um mundo que só te quer enquanto
você servir. Estou farta de tamanha desigualdade que só traz fome e misérias para ser plateia da hipocrisia de quem insiste em viver numa fantasia. Simplesmente cansei de suportar o
sofrimento. Isso não é normal. Não dá para aceitar que as coisas são assim e sempre serão!
É indignante ser parte desse entulho de desumanidade. Estou farta de ver a falsidade escancarada no rosto de pessoas vazias sem nenhuma intenção que seja boa. Sabe, é preciso ter mesmo muita paciência e autocontrole para tentar apagar da memória tudo o que ainda está acontecendo exatamente agora. Mas eu sei que, por mais que eu grite e queira um mundo melhor. Por mais que eu me esforce para isso mudar, de nada adianta se continuarmos sendo só mais uma engrenagem nesta máquina blindada de ganância e erguida no suor dos mais humildes.
E, às vezes, eu me pergunto o porquê da existência. Por que cargas d’água eu nasci? Por que eu? O que tem de especial em mim? Por que não me foi me dada a escolha de preferir o nada? Eu até tento me enganar ao romantizar a situação e insisto em me fazer acreditar de que devemos nos apegar aos detalhes mais singelos e profundos como o Sol se pondo ao entardecer, como o olhar de uma criança sorrindo para você, como o azul penetrante de um céu ensolarado, como as cores do arco-íris pintando a paisagem e a força das águas do rio que correm para se juntar ao mar. E quando não se pode mais ver, pode-se ouvir… o barulho da chuva caindo na rua e batendo na janela do quarto como se fosse um som orquestrado… pode-se ouvir ainda o canto dos pássaros que mantém a sanidade na loucura de quem vive a correria das cidades. E quando não for mais possível ver nem ouvir, pode-se ainda sentir o doce perfume das flores, o perfume de muitos amores, o aroma do café quentinho que te espera despertar, o sabor das frutas cheias de cores suculentas a nos alimentar.
É, talvez seja mesmo preciso se apegar a isso tudo para esquecer esse submundo. Caso contrário, permanecer vivendo passa a ser como se equilibrar em um fio infinito marcado por decepções. Até que você simplesmente desiste de continuar aquilo, porque não tem nenhum sentido. Apenas o vazio em nós mesmos nos confrontando.