Uma noite de domingo com Clarice
É noite. Domingo. Enquanto trabalho, ouço a última entrevista de Clarice antes de sua morte. Trouxe umas ervas do mato. Faço um chá. Divago entre uma e outra fala. Me identifico com a pressa da resposta dela. Ela diz: minha escrita é simples, eu não enfeito. "- Clarice, a partir de qual momento você decide assumir efetivamente a carreira de escritora? - Eu nunca assumi - Porque? - Eu não sou uma profissional, só escrevo quando eu quero." Eu te entendo Clarice, não dá pra se assumir como profissão algo tão visceral. "- Qual é o papel do escritor brasileiro hoje em dia? - O de falar o menos possível." Eu queria te dizer que muito mudou de 77 pra cá. Mas, as notícias são péssimas. Sobre o entendimento dos leitores sobre suas obras, ela diz: "- Ou toca ou não toca. Suponho que entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir. De entrar em contato." E complementa: - "Eu sei que antes não me entendiam, agora me entendem. - A que você atribui isso? - Eu acho que tudo mudou porque eu não mudei não. Que eu saiba eu não fiz concessões." Uma melancolia paira sobre toda a entrevista. O olhar dela é de completa tristeza e desolação, consigo perceber a raiva que ela sente e até cita. A autenticidade de Clarice me desmonta. Me assusta o quanto me identifico e o quanto isso me enobrece na mesma medida. Suas respostas não são nada sutis. Ela de fato não faz concessões. É soco no estômago. É seco. Genuíno. Contudo, tem sentimento. No fim das contas, escrever é mesmo isso: ou toca ou não toca. É só uma questão de sentir. De entrar em contato.