Autoenganação
Já caminhou pelas ruas?
Viu o que há nas ruas?
Não é o que
É quem, meu senhor...
Aquele homem semimorto
Jogado e esquecido
Na esquina da rua dos miseráveis com a rua dos desgraçados
Não o viu, senhor?
Ou apenas fingiu que não?
Bem, apegou-se na ideia de ilusão a realidade
Não o vê, mas também não sentes esse cheiro?
Sim, o odor de álcool
Que o coitado se mergulha para disfarçar a fome e o frio
Quantos ventos de Antártica o inválido passa, todas as noites
Eu te explicito, senhor
É um frio imensurável.
Não chega nem perto da devastação gélida do teu coração, senhor
Mas é frio.
O avulso, sobrevivendo de furtos famélicos
Pediu-lhe um cigarro
O senhor disse que não fumava
Aposto que se pedisse comida
Diria que também não comia
Se lhe suplicasse água
Diria que não bebia
Senhor...
Quantos morrem na sua frente
E você segue em frente
Quantos lhe imploram ajuda
E você diz: “hoje não amiga, desculpa”.