Reflexões em busca da Verdade

Quando refletimos sobre a Verdade, muitos pensamentos podem nos assaltar, e cabe-nos o discernimento para selecionar o que é útil e descartar o inapropriado.

Imagine a seguinte cena: Eu escondo um objeto valioso na minha mão, digamos uma moeda (evidentemente aqui peço uma licença literária e rogo-lhe que compreenda o simbolismo das palavras. A moeda representa um tesouro incomensurável).

Uma vez esclarecido o simbolismo e crendo na sua capacidade de abstração, prossigamos a cena: Você não viu a moeda sendo escondida na minha mão e eu lhe mostro a mão fechada, informando-lhe que nela há um tesouro incomensurável. Note que não estou fazendo um jogo de adivinhações. Não estou pedindo para você “adivinhar” se na minha mão fechada há ou não um tesouro. Estou afirmando categoricamente que há um tesouro, ainda que você não o veja.

Nesta situação você tem duas opções: ou você acredita em mim e aceita que na minha mão fechada há um tesouro, ou você não acredita, ainda que eu reitere diversas vezes que há.

Imagine agora outra situação: Eu lhe mostro a palma da minha mão e nela a moeda e afirmo que nela (na palma da mão) há uma moeda. O que você diria? Quais são as suas opções?

É óbvio que você não teria opção a não ser concordar que na minha mão há uma moeda. Afinal você a está vendo, pode tocá-la, cheirá-la, mordê-la, enfim...

E aqui notamos uma coisa interessante; veja que na cena anterior, você tinha opção, podia crer em mim ou não, ou seja, você possuía o que chamamos de liberdade.

No momento em que eu lhe mostro a moeda, você perde sua liberdade. Sim! Você simplesmente não pode mais pensar que na minha mão não há uma moeda. Você é forçado a concordar que a moeda existe.

Assim Deus agiu quando crio os anjos. No início Ele não mostrou a sua face resplandecente, pois se o fizesse tiraria a liberdade dos anjos, que foram criados inteligentes e livres. Deus os criou e deu sinais de sua existência e de seu amor por eles mas não revelou sua face. E lhes pediu que acreditassem em seu amor por eles. Porém não era possível aos anjos “sentir” esse amor em toda sua plenitude. Eles precisavam crer nesse amor.

Uma vez sendo livres, eles podiam escolher em crer ou não crer na palavra de Deus, crer ou não em seu amor. Muitos creram e alguns não creram. Aos que creram, Deus lhes mostrou a sua face resplandecente e com isso sua liberdade foi tirada. Já não é possível olhar para a face de Deus e rejeitá-lo. Uma fez observada é impossível não desejar estar na sua presença e sentir a plenitude de seu amor. Mas essa perda de liberdade, que num primeiro momento pode parecer algo ruim, na verdade não é. Eles tiveram a liberdade e escolheram a presença de Deus. Deus fez essa reverência aos anjos. Eles mesmos já não querem e não precisam da liberdade que tiveram no começo, pois nem pensam na possibilidade de existir longe da face de Deus. A face de Deus é irresistível. Sua escolha ficou cristalizada e nada nem ninguém pode lhes separar do amor de Deus.

Quanto aos anjos que não creram, também estes eram livres e Deus, em sua infinita misericórdia não lhes forçou a nada, se fizesse isso, seria contrário ao seu próprio desígnio, já que por sua livre vontade criara todos os anjos dotados de livre-arbítrio.

Porém, uma vez que esses anjos escolheram não crer, Deus tampouco lhes mostrou sua face e esses anjos estão privados de “sentir” o amor de Deus na sua plenitude. Em verdade, esses anjos têm acesso a uma sombra muito tênue desse amor. Mas sim, eles são tocados de algum modo por algo do amor de Deus, que por mais que nos pareça escandaloso, ainda os ama. Sim! Isso, em teologia, denomina-se Graça suficiente. Se Deus retirasse deles toda a Graça, eles cairiam no não ser, na não existência. Retornariam ao estado anterior de vazio. Mas não é o que acontece.

Mas então podemos pensar que os anjos bons, perdendo voluntariamente sua liberdade, já estão com sua escolha cristalizada e já não podem, por vontade de ninguém, nem por vontade própria, se afastar do amor de Deus. E os anjos maus, continuam com sua liberdade pois se Deus não lhes mostrou sua face, eles continuam podendo escolher. Não! Não é assim.

Com sua descrença no amor de Deus por eles, cometeram estes uma ofensa a Deus, ou seja, um pecado. Tornaram-se escravos do pecado e não conseguem, por forças próprias sair desse pecado que é mais forte que eles e os escraviza. Ou seja, sua escolha também foi cristalizada e já não podem optar.

Apenas um poder mais alto e mais forte que seu pecado poderia lhes quebrar as correntes, por eles mesmos forjada. E há apenas um poder capaz disso: Deus.

E qual seria o único modo desses anjos se libertarem? Observando e face resplandecente de Deus e sentindo seu amor perfeito e pleno pois isso seria irresistível, uma visão beatífica cuja rejeição seria impossível. Então, seu pecado seria eliminado e suas cadeias quebradas participando assim da glória de Deus.

Então podemos pensar: Porque Deus, na sua infinita misericórdia, não o faz? Não mostra sua face aos anjos maus, libertando-os de seu pecado?

Porque se Deus assim procedesse, estaria aniquilando a liberdade desses anjos. E poderíamos dizer que eles se converteram só porque Deus lhes mostrou sua face e isso seria irresistível; por vontade própria eles poderiam (como fizeram) não acreditar no amor de Deus.

Por isso dizemos que sua escolha também está cristalizada e sua condenação é eterna. Eles, por opção própria, se colocaram num “beco sem saída”. Tornaram-se escravos do seu próprio pecado e não têm forças para dele sair.

Houve uma batalha no céu...(Ap12, 7a), mas agora já não há batalha... lá.

A batalha mudou seu teatro de operações. A batalha agora é aqui na Terra, e o que está em jogo é o ser humano.

Transportando a reflexão para a nossa realidade material, algo semelhante se passou conosco. O ser humano foi criado perfeito, ainda que inserido no mundo material. Homens não são anjos. Anjos são puro espírito, homens são híbridos. Somos alma e corpo ou composto, como diz Tomás de Aquino.

Criados à imagem e semelhança de Deus, éramos um composto perfeito: Corpo, alma e espírito perfeitamente alinhados, inocentes e obedientes a Deus. Até que, em certo momento, o anjo-mau por excelência, o maligno, o pai da mentira, veio e nos seduziu. Então caímos. Como ocorreu no céu com os anjos, assim, de modo similar, ocorreu conosco: Duvidamos do amor de Deus por nós. Pecamos, e de seres livres que podiam escolher o amor de Deus ou não, pois Deus se revelou a nós às escondidas, como fez inicialmente com os anjos, tornamo-nos escravos do nosso próprio pecado, por nossa própria escolha.

Assim como ocorreu com os anjos incrédulos, nós também não tínhamos forças para escapar do próprio pecado. Estávamos irremediavelmente na mesma situação dos anjos maus: Eternamente condenados. Porém, se Deus (que não dorme), permitiu que o maligno agisse em nós, é porque desse mal ele sabe e pode tirar um bem ainda maior. E o fez, enviando seu filho.

Entretanto, seu filho Jesus, veio “disfarçado” na carne humana. Revestido de nossa fragilidade, em tudo se fez igual ao homem, menos no pecado. Não poderia ser diferente. Se viesse na sua glória, ser-nos-ia irresistível e então perderíamos nossa liberdade. Respeitando nosso livre arbítrio, veio-nos de modo velado como mortal e nos transmitiu tudo o que escutou do Pai.

Assim como os anjos, que, não vendo o esplendor de Deus em toda sua plenitude, tinha a liberdade de escolher crer ou não, nós também, não vendo o esplendor do filho, temos a liberdade de crer ou não. Os que crerem e forem batizados serão salvos, os que não crerem já estão condenado, porque não creram no filho de Deus.

Do mesmo modo como ocorreu com os anjos, nós também somos convidados a crer no amor de Deus, não pela visão beatífica (que não necessita de fé e que tiraria nossa liberdade de escolha) mas pela fé obscura porém clara, que vê a luz em meio a escuridão. Assim como foi dado um tempo aos anjos, a nós também foi dado um tempo para que creiamos no amor de Deus, mesmo sem vê-lo face-a-face e sem sentir seu amor na total plenitude divina. E assim decorre a batalha aqui no mundo físico. Uma batalha que terá seu fim, como teve a batalha dos anjos e onde, ao final e término, as escolhas estarão cristalizadas e definidas por toda eternidade. Os que crerem e forem batizados, serão salvos, os que não crerem serão condenados. Esta condenação se dará do mesmo modo dos anjos incrédulos: Uma vez escravos do próprio pecado e da própria escolha, não terão forças para sair, a não ser por uma visão beatífica que não acontecerá para que sua escolha não seja aniquilada. Eles viverão eternamente a angústia de sentir a ausência em meio à presença de Deus e um vestígio de seu amor em meio ao ódio mútuo sem jamais pode vê-lo face-a-face e vislumbrar seu amor em plenitude. Nisto consiste o desespero que denominamos Inferno.

Albo Screchiawich
Enviado por Albo Screchiawich em 30/04/2020
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