Inversões
Reparando naqueles que, por comodidade de expressão, julgo serem meus próximos, vejo-os todos fazerem sempre a mesma coisa - a saber, tomar a consequência por causa. Assim morrem os dias nas trevas do passar sonolento das horas, julgando a si mesmo e os outros. Para eles, tudo tem uma causa; mas esta causa - meu Deus! - eles a inverteram ao ponto de confundir o que é consequência com causa. Desse modo não podem deixar de ver por trás de cada coisa uma coisa que move, que causa, que efetiva: o vento venta; eu falo e penso; o relâmpago brilha; a força move; sujeito e predicado; substantivo e adjetivo - Ah, por amor de Deus, quando nos livraremos dessas sombras gramaticais de Deus!
Abdiquei de tentar fazê-los entender - ora, quem sou eu para querer mudar o que quer seja! Vivo na mesma inconsciência que todos eles. Não compreendo nem mais nem menos que eles sobre o conjunto total das coisas; sinceramente, nem sei o que significa "totalidade", ainda menos o que significa a "parte" pensar o "Todo". Sei que da vida nada sei, mas de humanidade eu compreendo um pouco, pois sou humano, ou melhor, eu sou a humanidade com todo os vícios e virtudes.
Entendi que cada um tem seu momento de aprender; não posso privá-los do luxo da ignorância pois vivo, também, em muitos aspectos, ignorante de coisas que eles sabem e eu não. Agora apenas os assisto; às vezes o coração se angustia e fica ansioso por tentar transmitir o que seus ouvidos não estão prontos para ouvir.
Ouço sem querer, no rádio que minha mãe escuta sempre ao fim das tardes, o sermão do padre cair no mesmo erro, assim ele diz: - "Creiamos em Cristo; acreditemos na Boa-Nova que Ele nos trouxe; Cristo morto e ressuscitado - pois se nisto não crermos vã é nossa fé". - E em um só golpe o evangelho está morto; em vão foi a vida de Jesus, ninguém o entendeu. Que calamidade! Um dos mais lindos martírios manchado pelo sentimento de vingança dos fracos que não estavam a altura do mestre. Uma nova maneira de viver, uma nova prática, era isso a "boa-nova" - o "sentir-se filho de Deus" - não uma nova fé! Viver o evangelho é estar no "paraíso" - "o Reino do céu está em vosso coração", não um paraíso por se merecer depois da morte; que vêm num tempo futuro. "Aqui" é o Eden. No coração, um estado do coração. Ah, e infinito é o coração! Só os poetas compreenderam Jesus...
Mas quem "dos seus" o compreendeu? Quem tinha força para abdicar de si mesmo, pelo menos na imaginação, no ideal? Tiveram de inverter seu ensinamento por falta de vontade, ninguém queria mesmo mudar; todos esperavam a profecia. Nem o exemplo na cruz - "não resistas ao mal, mas amá-lo" - foi suficiente para fazer-se compreender. Então, já percebendo a inutilidade de sua missão, morto de tristeza ele diz - "Pai, afasta esse cálice de mim", e morre como se viveu...
Transformaram Jesus em um juiz. Confundiram consequência com causa...