Abstrato pessoal

Passando a limpo se descobre o abstrato da vida, encoberto em notas de rodapé, nos livros não lidos, sonhos escondidos, receitas esquecidas, nas facas sem fio, nos cabelos do ralo, nas coisas pequenas, deixadas de lado e guardadas sabes lá onde.

Todos os dias se passa a limpo um pouco da vida, embora não se conte, não faça rima, não se tenha poesia, quiçá alegria.

Mas, se passado a limpo, se lê mais do que se vê, as conquistas de um dia, os passos tortos em ritmo, o livro aberto a ser lido, a mão suave que acaricia, o bolo pronto em cima da pia, a nuvem no céu que desanuvia, o riso solto de quem não viria, a luz de vela que incendeia a monotonia, a conversa leve para encerrar o que viria.