Deformação

Começou com um pequeno embrião fecundado um óvulo quente, suas teias se agarravam as paredes macias, porém firmes daquele útero sem nome, uma casa estranha, pequena, mas segura. Ela pensou.

Longo em sequência viu seu corpo ganhando forma lentamente, se desenvolvendo e empurrando aquele quarto escuro para algum lugar, sentiu o lugar ficar mais e mais apertado e em desespero, usava os membros abaixo de si para tentar escapar, golpeando aquela barreira incontáveis vezes, temia jamais sair de lá, ainda que parte de si, estivesse com medo do que havia do outro lado daquela bolha de sangue.

As vezes, durante o dia, sentia que algo sussurrava ao seu redor, pelo lado de fora uma coisa arranhava sua casa, querendo toca-la e sentia medo, então começava tudo outra vez, tentando espantar a criatura estranha que a impedia de adormecer.

De repente, sentiu o ar ficar mais fino, o lugar diminuindo e sua vontade era sair dali de vez!

Percebeu que aqueles membros que tanto a deixavam desconfortável serviam quase como uma segunda proteção daquela casca e de longe, avistou no fundo, um pequeno buraco de luz invadir sua completa escuridão. - O que é aquilo? - Ela pensou. - Que coisa estranha!

Então rolou de um lado ao outro, tentando afastar de si aquela luz misteriosa.

Quando de repente ouviu gritos, gritos vindos de lugar nenhum, aquele lugar já não parecia mais seguro e silencioso a medida que a luz ia se aproximando cada vez mais de si. - Preciso ser corajosa. - Algo lhe impelia a querer desvendar aqueles sons e aquela luz, tão forte.

Foi engatinhando até a porta com cautela. - É agora! - Exclamou.

E mergulhou com toda a força na direção da luz vinda de fora, mas parecia não estar sozinha, algo, uma força sobrenatural a ajudava a ter coragem, a empurrava dali, quase como se estivesse a expulsando, como se já não fosse mais bem vinda em sua casa.

Mas ela não saiu completamente, percebeu uma parte de si ainda permanecia do lado de dentro, enquanto a outra era puxada com força agora mais e mais rápido, sentiu seu corpo sendo divido em dois, alguém havia amputado o resto dela e a feito ficar pequena, sem nenhuma explicação, ela já não fazia mais parte daquela casa, mas ela era a casa e também era aquele conjunto pequeno de ossos e carne, sendo segurados pelas mãos de outro alguém e sentiu uma dor tão imensa quando lhe separaram da outra parte de si, porque alguém faria isso? Pq alguém a tiraria dali?

Então ela gritou também, um grito de dor e impaciência, pensando que era assim que eles se comunicavam naquele mundo. Afinal , antes de ver a luz, ouviu os gritos de outro alguém e sentiu as paredes a sufocarem.

Um gigante a balançou no ar como uma pluma, ela gritou novamente, mas ninguém gritava de volta e seu despero ficou mais evidente, parecia que ninguém a escutava, ninguem a comprendia, até que, o gigante a descansou em um tipo de abraço diferente, em um berço de carne e ossos como os dela, ela inclinou seu corpo e cheirou os braços que a envolviam e quase não pode acreditar no que via. Aquela era a sua casa! A outra metade de si que nunca vira, reconhecia o cheiro, mas não entendia.

Aquela sua casa, era uma gigante também. E que por sua vez, aproximou seu rosto do dela. - Vão me comer! - Ela pensou. - Vendo que o rosto da gigante chegava cada vez mais perto do seu, tão pequeno, tão desprotegido.

Mas para a surpresa dela, o Bixo apenas esfregou- se em seu corpo, corpo esse, que ela não entendia bem.

Balançava seus membros de um lado ao outro, não sabia bem como move-los no ar, era difícil controlar todo aquele espaço e os braços em volta de si apertavam tanto.

E sentia escorrerem sob seu corpo gotas geladas, gotejando de sua casa sem explicação, viveu tanto tempo lá dentro, sozinha, no escuro, que era difícil encarar a luz de perto, seus olhos se incomodavam, mas não sabia explicar o pq de não conseguir parar de olhar para o rosto da outra metade de si.

De repente, os gigantes retornaram e ela sentiu os braços apertando mais e mais, quase como se estivessem tentando esmaga-la, para então ficarem mais e mais soltos, fazendo ela sentir falta daquele nó invisível de antes, seu corpo foi então empurrado novamente contra o ar, na direção de outro gigante e ouviu os gritos novamente, mas ela também não podia os entender. Eram os mesmos gritos de antes, que ouvirá antes de nascer, mas agora mais tristes, não sabia pq, foram ficando mais baixos a medida que o gigante se afastava daquele ser, ao qual ela ainda chamava de casa, onde iria morar agora ?

Vieram outros gigantes e eles tambem a confrontavam, ela chorou, queria voltar lá pra dentro e apagar a luz. Era tão forte, tudo era espetacular, os cheiros, os sons, o espaço. Era tudo tão grande e ela tão pequena. - Onde está a outra metade de mim?- Ela se perguntava . E pq haviam separado- a para logo depois entrega-la novamente para si e então, mais uma vez retirar a sua casa colocando- a em outro ambiente estranho.

Um silêncio se fez e tudo ficou escuro de novo, mas o frio ainda a incomodava, como queria voltar para casa, mas já não achava seu cheiro em lugar algum.

Ele sumira, junto com a gigante sem nome de lugar nenhum.

- Onde ela está? - Ela gritou de novo. - Onde ela está? - Mas de novo, os sons dela foram silenciados e abafados em um novo abraço esquisito, dessa vez , não sentia mais aquele cheiro, os gigantes a levaram embora daquele berço para sempre e sua casa fora perdida na luz daquele lugar desconhecido. Nem podia mais ouvir os gritos aquele ser, nem suas lágrimas em seu corpo sentir, nada, era tão ou mais doloroso do que uma despedida. Parte dela havia ido embora e parte dela começava a crescer, dia após dia decifrando os sons estranhos e aprendendo a imita-los.

Mas seu coração não esquecia aquela bolha sangrenta e o gigante de luz, nunca mais ouvirá seu canto adentrar seu recanto ou lhe arranhar a parede, não havia mais nada depois.

Grécia
Enviado por Grécia em 15/04/2020
Reeditado em 23/02/2022
Código do texto: T6917750
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