Ilusão

livro- Nunca te prometi o para sempre

Veronita

Ela rolou de um lado ao outro da cama, vindo parar finalmente em meus braços e eu respirei fundo encarando o seu sorriso largo e admirando o seu olhar recair sobre mim como o sol quente em uma pedra de gelo qualquer , derretendo- a lentamente. Eu jamais havia sentido tamanha completude, quase como se eu tivesse sido criada para ela, por ela, para nós. Não conseguia acreditar em como as nossas mãos se encaixavam, de uma maneira ou de outra, aquele silêncio me dizia muito mais do que eu era capaz de aguentar.

Eu desejei que o relógio parasse ali mesmo e fiz o que pude, tentando fotografar na memória todo aquele paraíso secreto que construímos, improvisamos, sonhamos e des- sonhamos tentando negar por tanto tempo o que o universo já estava cansado de tentar no mostrar.

Eu me virei para ela, e quase não conseguia ouvir meus próprios pensamentos, tamanho eram os sons vindos da minha alma, eu estava queimando, como uma vela acesa dentro de um forno, jamais imaginei sentir ou mesmo provocar em outro ser humano aquilo que eu um dia li em livros, só poderia sonhar, imaginar, com o que aqueles amantes, poetas , haviam se inspirado, na verdade , até aquele momento eu não os entendia, como entender? Se até aquele instante, nada havia me acontecido igual.

Tive de conter minhas lágrimas, que pareciam estar afoitas em me denunciar, quase como se elas precisassem ser vistas por mais alguém, mas não eram lágrimas de tristeza ou mesmo arrependimento, eu simplesmente não conseguia buscar em pensamento qualquer outro momento onde havia sido tão imensamente feliz.

- O que está olhando. - Ela me indagou , ainda sorrindo. Quebrando brevemente o meu versejar solitário.

- Nada. - Respondi, retornando para ela um sorriso quase igual.

- Humm...- Ela fez um barulho com a boca . Como se não acreditasse em uma palavra minha.

- Está bem. É verdade! - Sorri novamente. - Você me pegou . Eu queria saber se pode me contar agora, o motivo pelo qual escreve. - A questionei, tentando me fazer de séria e um pouco incrédula de que ela iria finalmente me contar seu segredo.

- Tem certeza de que quer mesmo saber? - Ela me responde com outra pergunta.- Acho que estava me testando.

- Quero! - Digo rapidamente, rápido o suficiente para que não haja espaço para mudar de ideia.

- Humm.. Está bem. - Completa.

- Veronita ?!...

- Humm...- Anda...vai...Até quando vai manter segredo? - Pergunto.

Ela se senta na cama, prestes a acender seu cigarro, eu odiava vê-la fumando, mas ao mesmo tempo era tão sexy.

Ela percebe que não estou a vontade, então, me surpreende mais uma vez, ao repousar o cigarro aceso no cinzeiro ao lado da cama, antes mesmo que pudesse sentir o prazer de uma primeira tragada.

Ela se virou novamente para mim, de repente parecia que o ar havia me abandonado. Pensei comigo mesma: Ela tem de parar de fazer isso, um dia vou morrer de susto ou de impaciência.

Ela sorri e começa a me contar uma história, segundo ela.

- A muito tempo atrás, quando era somente uma garotinha, eu conheci um anjo na Neve. - Eu sorrio também, estou com vergonha, já imagino a quem ela se refere, mas não posso me precipitar em dar palpites.

- Posso continuar ? - Diz ela. Parecia que amava um mistério, afinal, era escritora.

- Sim. - Digo, tentando me acalmar e não deixar escapar nas entrelinhas minha súplicas de curiosidade.

- Onde eu estava... - Ela tornou a pensar.

Eu a olhei fixamente, não queria perder um segundo ao lado dela.

- Aquele anjo, me salvou na noite de inverno e eu lhe fiz uma promessa, uma família, não esqueci , nunca esquici, mas pensei que ela havia de me odiar .

- Não. Não, odeia não. - Interrompo.

- Agora eu sei. - Explicou ela. - Mas eu pensei que se acaso nunca mais a visse novamente, talvez, quem sabe , ela pudesse achar conforto em minhas palavras, mesmo que da distância de seus sentimentos, que ela pudesse me escutar com o peito aberto e livre de mágoas.

- Ela escutou, Layla. - Eu escutei . - Digo, interrompendo-a de novo. - Engoli seco. Jamais ousei imaginar que aqueles lindos romances foram escritos para mim.

Mas ela me confessou, naquela noite, em que a lua nos observava, quase aliviada, mas muito, muito atrasada.

- Eu li seu livro, Layla, antes mesmo de saber que era você. - Digo.

- Eu sei, nem consigo imaginar uma história na qual não exista eu e você sob as páginas. - Ela me abraça, e nossas mãos se tocam novamente.

- Eu precisei sangrar no papel todo esse tempo pra te encontrar e agora não quero ir embora nunca mais.

Nos duas sabíamos que o " para sempre " era algo subestimado em nosso mundo, a maioria não sobrevivia até o próximo inverno, as pessoas ainda estavam se recuperando da guerra e a dor em seus olhos era tamanha que roubava qualquer espaço para sentimentos ternos ou seus derivados. Era por isso, que aquele momento era tão sagrado para nós, talvez pudesse ser o último, talvez não houvesse sol amanhã.

Talvez por isso, ela houvesse enfim me confessado, em outro cenário teria sido infinitas vezes mais difícil dicifra- lá.

- Precisamos ir agora. - Digo, odiando a mim mesma por acabar com aquilo, seja lá, o que era.

- Eu sei. - Jaja vai amanhecer e você quase não dormiu. - Disse ela, preocupada.

Mas eu havia dormido, como não? Se havia passado a noite inteira sonhando, como é possivel que estivesse acordada?- Pensei.

- Eu vou sentir sua falta. - Ela continua, agora observo um fio de água lhe acariciar o rosto do lado esquerdo, não era possível amar tanto alguém assim e esperar que esse sentimento não fosse mera imaginação fantasiosa de um delírio noturno.

Agora, só me restava esperar, até o que o dia tomasse forma e me contasse que tudo aquilo, não passará de uma breve, ainda que malaravilhosa, ilusão.

Fim. ( fim do cap)

Grécia
Enviado por Grécia em 13/04/2020
Código do texto: T6915300
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