Um conceito a ser extirpado
Um conceito que deveria ser extirpado é o de gente importante. Creio que ele dá várias ideias erradas. Uma delas é a de que há pessoas que possuem mais valor e devem ser tratadas com mais consideração enquanto outras simplesmente não importariam e não mereceriam maior atenção da parte de ninguém. Infelizmente, é um conceito que está arraigado em nossas cabeças.
Quando dizemos a expressão “gente importante”? Nunca ouvi pessoa alguma pronunciá-lo a não ser para se referir a pessoas com posses econômicas e/ ou posição de influência. Então, dinheiro é um fator assim tão relevante para dizer que alguém é importante? Dinheiro vale mais do que caráter, personalidade e outros atributos da pessoa? Eu também não gosto quando ouço dizerem algo como: “ele vem de boa família”. Temos dito isso há tanto tempo que nem paramos para pensar no contexto dessa afirmação. O que é uma boa família? Faço-me tal pergunta porque também só ouço essas palavras serem ditas quando se referem a uma pessoa que vem de uma família abastada.
A gente sempre diz que as pessoas valem pelo que são, não pelo que possuem. Entretanto, muitas vezes, vemos mesmo que se dá um tratamento diferenciado às pessoas que têm mais dinheiro. É como se elas fossem superiores aos outros. E o que é ter mais dinheiro ou vir de uma família considerada influente? Isso torna a pessoa superior, mais inteligente, alguém com mais direitos? Claro que não.
Temos uma tendência a dar excessivo valor a quem possui mais que os outros, como se eles estivessem num patamar acima do nosso. E é como se quem não se encaixasse na categoria deles fosse gente de categoria inferior por não pertencer à nata. Deveríamos extirpar o conceito de gente importante, afinal, não era para sermos todos iguais, com os mesmos direitos e obrigações? A gente vê como essa história de haver gente importante é nefasta aqui no Brasil nos mínimos detalhes. Políticos gozam de privilégios como carro oficial, têm não sei quantos assessores ( muitas vezes, gente de sua família) e juízes possuem o auxílio-moradia.
Já na Suécia, entende-se que os políticos trabalham para o povo e eles vão para o trabalho de metrô. Aqui, porém, até um político local quer ter carro oficial. E vemos pessoas enchendo a boca para dizer que são parentes de um juiz ou de algum deputado – quando talvez nem sejam tão próximos – ao passo que na Suécia, Noruega e outros países como Estados Unidos, um juiz é um simples empregado do sistema jurídico. E no Brasil, muitos falam a palavra “juiz” quase como se se referissem a um rei ou rainha. Devemos fazer justiça e reconhecer que muitos juízes e promotores não são arrogantes, mas também não podemos negar se que dá demasiado valor a quem exerce essas funções,
Aqui, a gente vê o faxineiro ser tratado como gente inferior e mesmo pessoas que não são ricas acham que é humilhante fazer trabalhos domésticos ou de faxina. Deveriam ver como é no Japão. Nas escolas, são os alunos que servem a merenda, limpam as salas e os banheiros e lavam a louça após as aulas, porque se entende que todos devem trabalhar para o bem comum. Algum filhinho ou filhinha de papai iria querer varrer aqui a sala de aula e limpar as carteiras no fim das aulas? Não, seria como se se rebaixasse. Entende-se que esses serviços são para “gente inferior”. Quando li O mundo de Sofia, fiquei maravilhada de ver o pai da amiga da protagonista, o tesoureiro municipal, cuidar do próprio jardim. Aqui, um tesoureiro municipal faria isso?
A gente podia aprender muito com a cultura de outros países. Esse nosso problema de se levar por um conceito tolo como gente importante nos faz ver as coisas por uma perspectiva irreal. Aqui no Brasil, país de gente besta – sou brasileira mas digo isso – o normal é que uma pessoa com curso superior não queira exercer qualquer trabalho. Acha-se boa demais, qualificada demais para trabalhar como vendedora, recepcionista ou em call center. Como se a pessoa pudesse se dar ao luxo de esperar que um emprego à altura de sua capacidade aparecesse assim na porta de casa, não? E quem é tão especial que possa achar que um emprego virá andando na sua direção? Esse problema cultural não é exclusivo do Brasil. Umberto Eco o menciona em uma das suas crônicas, dizendo que jovens italianos na casa dos 30 não trabalham vendendo jornais por serem “bons” demais para isso, já que têm diploma universitário e exercer tais trabalhos os rebaixaria.
O autor também fala que, se lermos a história de homens e mulheres de sucesso, todos eles começaram com empregos humildes, que garantiram que se mantivessem enquanto lutavam para subir na vida. E Umberto Eco se perguntava: por que os americanos podiam e não os italianos? Ninguém – exceto os de famílias abastadas – pode querer começar por cima. O escritor, em outra crônica, diz que o general já foi recruta. Em suma, todo mundo tem direito a sonhar com uma vida melhor, mas é preciso ter humildade e começar por baixo, até para ir aprendendo e ganhando experiência, vendo como as coisas funcionam.
Empregos à nossa “altura” não aparecerão assim na nossa porta e nem sempre se passa logo em um concurso. Então, qual o problema de trabalhar em qualquer emprego enquanto não se passa num concurso ou um empregador preste atenção ao nosso currículo e resolva nos dar uma chance de mostrar nossas qualificações? Vamos ficar parados esperando um milagre da vida? E quando esse milagre virá? Mas no Brasil, o povo fica com essa besteira de que alguém com curso superior é importante demais para trabalhos inferiores. Uma vez, eu mesma mencionei o fato de que a filha de Barack Obama trabalhava como caixa de supermercado. E ficaram escandalizados. Disseram que lá é os Estados Unidos e aqui é o Brasil.
Pois é, aqui é o Brasil. E procurar emprego não está fácil nem temos garantia de que passaremos logo em concurso. Então, deixemos dessa besteira de nos sentirmos tão importantes e qualificados para trabalhar em empregos “inferiores”. O que é pior? Trabalhar num emprego de um salário mínimo ou ficar “mofando” em casa, com toda sua qualificação sem servir para nada? Até porque, com o tempo, mesmo os conhecimentos que adquirimos no curso universitário, não sendo usados, ficam desatualizados. Não podemos mais pensar em conhecimento como aquela coisa enciclopédica e falar difícil. Conhecimento tem que ser aplicado.
Quanto mais se demora a começar a trabalhar, mais dificuldades teremos para encontrar lugar no mercado de trabalho e acompanhar as tendências e conhecimentos novos que surgem. Muitas habilidades e conhecimentos que adquirimos hoje estarão obsoletos amanhã. Se um bacharel em Direito nunca exercer a profissão, chegará um dia em que não saberá mais nem fazer uma petição. Caso ele consiga trabalho em outra área, que vá e não se ache “bom” demais para aquilo. Aproveite a chance de usar sua força de trabalho e juventude em algo útil.
Achar-se muito importante para qualquer emprego é irreal e mostra que a pessoa não entende que o mundo não irá nos dar o que queremos ou precisamos. E, lamentavelmente, a vida ensinará que a pessoa não pode ficar com essa bobagem de querer que o mundo funcione conforme seus caprichos. Quem tem essas tolices aprenderá da pior forma que não é mais importante que os outros e que a vida é cruel para todos nós, o que exige que estejamos prontos a enfrentar todos os problemas com determinação e sem nos acharmos melhores do que os outros.
Deveríamos mesmo abolir esses conceitos de “gente importante” e “pessoa de boa família”. As necessidades da vida mostram que a gente tem que batalhar por nosso lugar ao sol de qualquer jeito.