Quando ela foi embora

Ao terminar de juntar suas coisas - tudo cabia em uma mala de rodinhas e duas mochilas -, olhou em volta para a minúscula sala do apartamento do seu agora ex-namorado. Tinha sido naquele sofá que ele a havia despretensiosamente pedido em namoro, com um sorriso de menino no canto da boca, daqueles de quem não esquenta muito com nada. E, ah, como ela amava isso nele. Infelizmente, e ironicamente, as coisas que nos fazem se apaixonar viram rapidamente defeitos no fim. Lembrou-se da apatia que ele demonstrou durante o último telefonema dos dois e seu coração se quebrou mais um pouquinho. A verdade, a dura verdade, é que ela podia até ter dado o ponto final no namoro, mas ele já a havia deixado emocionalmente bem antes.

Olhou para a estante que ela mesma havia ajudado a escolher e sentiu falta de alguns porta-retratos. Longe dos olhos, longe do coração. Pensou que o papel de parede do seu WhatsApp ainda era eles dois e estremeceu. Ele havia sido mais rápido que ela. Ele sempre era mais rápido que ela.

Fez carinho no gato que ronronava entre suas pernas. Ela sempre achara o bichano tão bonito, com seu pelo cinza lustroso e seus olhos verdes. O felino era do tipo ciumento e havia demorado muito tempo para aceitar os carinhos que fazia nele. Ou para se acostumar a dividir a atenção do seu dono com ela. Será que ele se acostumaria mais rápido com a próxima? Será que já havia uma próxima? Afastou o pensamento e se dirigiu para a porta, ouvindo os miados de protesto do gato. Ela trancou a porta, deixando tanto o gato quanto o palco dos seus últimos cinco anos de relacionamento atrás de si.

Aguardou o Uber que havia chamado na portaria. Ficou aliviada por o porteiro ser novato e não conhecê-la. Não queria nenhum olhar condescendente de fingida empatia de conhecido algum. O Uber chegou e o motorista desceu do carro para ajuda-la a por a bagagem no porta-malas. Perguntou se ela estava indo viajar. Ela disse que estava indo para casa.

No carro, tocava Amanhã, do Zimbra, banda que o namorado a apresentara e que havia embalado toda a história dos dois. Ela pediu para o motorista mudar a música. Começou um rock de uma banda de língua inglesa que ela não conhecia. Mesmo assim, ela não se sentiu nada melhor. Olhou pela janela e respirou fundo, se recusava a chorar ali.