Adeus (parte II)
Às vezes eu penso que minha vida poderia ser resumida como se as coisas simplesmente estivessem dando adeus para mim, o tempo todo. O mundo despede-se solene de mim, dando as costas e indo embora, escorrendo pelas minhas mãos. Eu não consigo reter nada, nada além de impressões e dessa dor da despedida. A vida...é uma eterna despedida.
Seja um estranho que passa na rua, uma frase entreouvida, um programa de tevê assistido apenas pela metade, um segundo gasto olhando para o nada,..eu sinto como se cada uma dessas coisas fosse um adeus.
Um adeus porque eu não consigo reter o que o estranho está pensando, ou o que ele vive, viveu ou viverá. Porque o estranho é completamente alheio a minha pessoa, cobiçosa de absorver sua alma, entender sua cabeça, penetrar seus órgãos e entender como funciona, como o mundo funciona. Porque o programa de tevê teve um começo que eu perdi – que retorna a origem de tudo o que eu perdi- e tem um meio que eu não compreendo em sua totalidade porque perdi o começo, e um fim desconectado, pois na verdade não é o fim em si, o fim de tudo. Porque o segundo gasto não retorna, e nele residem as mil possibilidades de se gastar esse segundo, esse tempo, com outra coisa, uma outra coisa qualquer: um grito de orgasmo, um galho de árvore que cai, a corrida de um cachorro, uma cena de filme, um tiro disparado, uma injeção sendo aplicada, um suspiro, uma morte, um nascimento, um abrir de olhos, uma paixão avassaladora, uma troca de olhares, uma chuva de confetes, um mergulho na piscina, um tropeço, um começo.
O adeus que me persegue – e que não é percebido por ninguém além de mim, tenho certeza - fortalece meu ódio, minha dor e minha curiosidade pelo mundo. Eu quero compreendê-lo. Eu quero dominá-lo. Quero ver suas engrenagens. Quero fazê-lo parar, quero passar de marionete a comandante.
Odeio ser pequena perante o mundo, um nada pensante; ao mesmo tempo, agradeço minha pequenez, pois a grandeza traz pensamentos e responsabilidades – comandos- com os quais não posso lidar. Eles me destroçariam, e como qualquer animal, eu não quero ser esmagada. Por isso fujo..cada linha é uma fuga. São os preciosos minutos gastos preenchendo o vazio e a paranóia de saber-se pequeno e insignificante. de saber que sim, você vai morrer, e que, na verdade, não faria muita diferença para o mundo você ter ou não ter nascido. As pessoas morrem e o mundo continua como sempre foi: as pessoas continuam caminhando pelas ruas. As crianças continuam brincando e os bebês continuam chorando. Casais continuam brigando e se amando, e o jornaleiro vende revistas como todo dia. Em sua cabeça, um minuto frio de silêncio em preto e branco acompanha o desenrolar da realidade inescrutável, insensível a sua dor.
O mundo..ah, ele não pára. Nunca. E por mais que tentemos congelar um minuto na memória, o minuto pára só para você, o que basicamente te transforma em um autista ou algo do gênero.
O barulho cessou. Terminaram de revirar o cômodo repleto de minhas recordações infantis. Uma canção da Xuxa me vem à cabeça, borrando memórias da infância, e uma lágrima silenciosa reflete o novo adeus que incorporei.