Cavalos, Infância e Eu

Atenção: estes textos são de minha autoria. Estes textos são histórias de momentos que vivi quando mais jovem.

Escrevo apenas para investir o tempo que tenho sobrando em algo produtivo e quem sabe entreter alguém que goste de histórias simples como eu.

Como eu já falei na primeira parte do meu primeiro texto que postei aqui, eu morei boa parte da minha vida na zona rural de Aracoiaba em um povoado chamado Carnaúbas. Aracoiaba é uma cidade do estado do Ceará. No texto anterior, eu dou mais detalhes sobre este lugar.

A história que venho contar hoje é sobre a primeira vez que cavalguei em um cavalo. Eu tinha 6 anos nessa época.

Na comunidade onde eu morava, todas as famílias eram de agricultores, e fazia parte da cultura agrícola dos agricultores utilizar animais équinos (cavalos, burros, éguas) para auxíliá-los com o trato da plantação. Então todas as crianças eram ensinadas a montar desde cedo, para que assim, pudessem ajudar os pais durante o inverno, no período em que os animais eram necessários para o cultivo da terra. As crianças aprendiam a trabalhar no campo desde cedo. Eu era até atrasado, no que tangia o manejo de cavalos, se comparado a outras crianças que com 5 anos, já guiavam razoavelmente bem um cavalo. Meu pai como os outros pais da região, era agricultor, mas ele planejava me levar no próximo inverno para ajudá-lo a cultivar a sua plantação, e seria a primeira vez que eu montaria um cavalo. Provavelmente ele alugaria um cavalo, pois nós não tínhamos um. Eu estava ansioso. Mas o destino resolveu adiantar meus primeiros contatos com esses bichos que podem ser tão dóceis quanto xucros. Eu tinha um amigo e colega de escola que morava há uns 200 metros da minha casa. Ele era 1 ano mais velho que eu, tinha 7. Era uma criança robusta, que usava aquele corte de cabelo que ficou conhecido como "estilo surfista". Nós brincávamos muito juntos. Um dia o pai do meu amigo comprou um cavalo. Lembro que ele me contou todo eufórico dando detalhes do bicho. Coisas infantis.

Eu também achei o máximo. E continuamos conversando sobre o animal.

Uma semana depois o pai do meu amigo teve que viajar no final de semana para outro município resolver alguns problemas e deixou com meu amigo, seu filho, a tarefa de ir à *vagem (*pedaço de terra na zona rural usado para plantação ou para criação e alimentação de animais) da qual ele era dono, inspecionar como estava seu cavalo recém adquirido. Era uma tarde de sábado quando meu amigo chegou na minha casa. Portava uma *esteira (*objeto parecido com uma almofada que é utilizado nas costas de um animal équino substituindo uma cela tradicional) e uma cúia com milho, e me disse que iria à *vagem de seu pai ver como estava o cavalo, e me convidou para eu acompanhá-lo. Aceitei sem pestanejar. A *vagem do pai do meu amigo não ficava tão longe da minha casa, e acho que por isso minha mãe permitiu que fôssemos, e nem questionou o porquê do meu amigo estar levando uma *esteira, pois ele já tinha 7 anos e experiência com cavalos, coisa que eu não tinha.

Chegamos à *vagem depois de 5 minutos de caminhada. Passamos a porteira e entramos no terreno onde o cavalo se encontrava. Você já esteve em um campo aberto, na zona rural, no verão, com apenas aquela vegetação rasteira, seca e clara, de mais ou menos 15 centímetros que se estende por quilômetros? Não? Que pena. É silencioso e lindo. O cavalo se encontrava há uns poucos metros da porteira. Era branco, de aparência sofrida. Não era mirrado, mas não havia muito músculo ali. Mas era um cavalo, e aos meus 6 anos eu estava achando tudo aquilo muito legal. Meu amigo se dirigiu até o cavalo, jogou a esteira* no dorso do animal, e usou a cuia com milho para atraí-lo até um tronco de árvore queimado, no qual ele subiu, para que estivesse a uma altura que o permitisse montar o animal, e assim ele fez. E batendo os pés na barriga do animal, fez ele correr pela vagem. O garoto era corajoso. Eu fiquei só olhando. Quando voltou, parou próximo de mim, pulou meio desajeitado e disse: "Agora é tua vez", eu olhei para ele e respondi:

Eu não, nunca montei". Mas ele insistiu: "é bem facinho, tu viu como eu fiz?", então eu em um rompante de coragem decidi que iria fazer aquilo.

Se ele conseguia, eu também seria capaz. Detalhe importante: nós não tínhamos cabresto, de modo que para controlar o cavalo era preciso segurar na sua crina e pescoço tanto para se equilibrar quanto para tentar controlá-lo. Era possível também fazer o cavalo parar utilizando certas palavras de comando, palavras que meu amigo usou para fazê-lo parar próximo a mim. Então, já que eu tinha topado participar da aventura e começar a testar se eu me sairia bem montando um cavalo, dirigimo-nos até o tronco que meu amigo usou para subir no cavalo, usamos o milho para atraí-lo novamente à posição adequada para o salto ao seu dorso. Subi no tronco de árvore, e saltei para cima do cavalo. Eu achei que seria como andar de bicicleta, mas não tinha absolutamente nada a ver. Nada mesmo.

O cavalo começou a dar passos bem lentos, e eu estava pensando: "Nossa é tão fácil assim? Acho que eu sou bom demais". Mas aí tudo mudou quando meu amigo socou a parte das ancas do cavalo. Olha, meu coração subiu pela boca. O cavalo saiu em disparada na direção contrária a qual nós estávamos e na qual a porteira ficava. Eu não sabia o que fazer, estava segurando na crina do animal, e meu corpo não parava na esteira que eu logo percebi que de nada servia se tratando de segurança. O cavalo cavalgava rápido e eu estava começando a me desequilibrar, eu comecei a gritar porque sabia que iria cair. A cada solavanco era uma tortura para eu me segurar e não cair de vez. Então, uns 10 segundos após meu amigo bater no cavalo fazendo-o disparar comigo na sua garupa, eu não consegui me segurar mais e escorreguei da esteira e do dorso, mas ainda em um esforço corajoso continuei agarrado ao seu pescoço, sendo arrastado.

Mas então fui vencido, e o soltei. Primeiro bati os joelhos no chão, depois o peito e finalmente a parte lateral do rosto, uma pedra pequena acabou cortando meu lábio. Eu fiquei no chão e logo meu amigo veio correndo me ajudar. Ele tinha ficado assustado também, e eu percebi a culpa nos olhos dele. Éramos apenas crianças inconsequentes. Levantei com um pouco de falta de ar por conta do impacto do meu tronco com o solo, com alguns arranhões e o lábio arrebentado sangrando pacas. Tirei a camisa e limpei o sangue. Fiquei com vontade de chorar. Mas não chorei. Eu tinha montado um cavalo e sobrevivido. Eu era um vencedor. Um pouco quebrado, mas um vencedor.

Não fiquei com raiva e muito menos briguei com meu amigo, como eu disse, éramos crianças inconsequentes e sem sabedoria.

Então decidimos pegar de volta a esteira do cavalo que logo após se livrar de mim tinha diminuído a velocidade e parado, e irmos embora. No caminho, o sangue no lábio já tinha estancado e eu continuava apenas com as dores. Quando cheguei em casa me despedi do meu amigo e disse que depois nos víamos, ele sorriu e foi para casa. Eu falei para minha mãe que os meus ferimentos originaram-se em um queda que levei enquanto corria no caminho para a vagem*, e ela acreditou. No final, apesar do corte no lábio, dos arranhões e do corpo dolorido, eu fiquei feliz por ter finalmente tido a oportunidade de montar um cavalo à primeira vez. Depois disso, nos anos subsequentes, montei dezenas de vezes em outros cavalos. Mas nenhuma das outras vezes foi tão incrível quanto da primeira vez.