Manhã no Rio (parte 1)

Era por volta do ano de 2011 ou 2012, estávamos na temporada de inverno. No Ceará, o inverno começa de verdade mesmo, ou seja, com chuvas mais constantes, a partir do mês de fevereiro, e essa constância vai até o mês de maio. O mês de junho é o último mês com chuvas, e ainda assim extremamente irregulares, às vezes, chove apenas uma vez no mês inteiro. Eu morava no município de Aracoiaba, cidade que fica no maciço de Baturité, mas eu não morava na zona urbana de Aracoiaba, morava a muitos quilômetro do centro urbano da cidade. Minha casa ficava na zona rural, em uma comunidade extremamente pequena, na qual moravam umas 10 famílias. Eu morava nesta casa com minha família desde sempre. Era a primeira casa da comunidade, ficava do lado direito da estrada de terra poeirenta que ia no sentindo do centro de Aracoiaba e da capital do estado, Fortaleza. Nossa casa ficava há uns 35 metros dos nossos primeiros vizinhos. Isso nos dava mais liberdade, a zona rural é basicamente isso, liberdade e trabalho duro. Morávamos eu, papai, mãe, e minhas duas irmãs. Eu tinha mais três irmãos, mas os três moravam na capital, sendo que dois deles já tinham se mudado para Fortaleza quando eu nasci.

Eu tinha 14 anos. Garoto mirrado, brancoso, cabelos crespos e acastanhados. Em Carnaúbas nós tínhamos um campinho de futebol onde os garotos se reuniam para jogar, ali fiz muitas amizades. Mas uma das coisas mais incríveis de se morar ali, era poder tomar banho no Rio que cortava verticalmente aquela região. O Rio choró. Era uma alegria quando chegava o inverno e o rio ficava cheio, com suas correntezas ferozes e sua água barrenta, todo mundo ia apreciar aquele fenômeno. Isso pode ser julgado como uma atitude boba e caipira para alguém que sempre morou na zona urbana, entretanto, para gente da zona rural, cuja a afinidade com a natureza é mais íntima até mesmo do que a afinidade que se tem com os pais, era um espetáculo.

No entanto, o melhor acontecia quando as chuvas iam diminuindo e a correnteza e quantidade de agua do rio iam esvaecendo, propiciando mergulhos e banhos. Era uma miríade de risos e brincadeiras que ocorria todas às vezes que os jovens ali se juntavam, naquele rio, para jogar e banharem-se. Eu tinha um primo morava na comunidade vizinha a Carnaúbas, cujo nome era Várzea da Onça (dizem que no passado um certo morador matou uma onça naquele lugar, e depois disso começaram a usar este nome para se referir à comunidade), minha mãe nasceu nesta comunidade, e meu vô viveu até o dia de sua morte também lá. Era um povoado muito maior que Carnaúbas, tão grande que dividia-se em duas partes (a segunda parte era conhecida popularmente como Queimadas, mas oficialmente as duas comunidades eram Várzea da Onça). Meu morava na segunda parte, aliás, mora lá até hoje, o dia em que estou escrevendo este texto.

Meu primo na época em que estou contando esta história tinha 11 anos, ele é três anos mais novo que eu. Constantemente ele vinha nos visitar durante os finais de semana. Em uma bicicleta monark, velha, mas ainda de muita valia. Em um sábado ensolarado, de um dos meses envernosos de Carnaúbas, meu primo veio nos visitar.

O Rio, naquele dia, estava fluindo com uma quantidade de água razoável e sem correntezas. Meu primo chegou por volta das 7 e meia da manhã, e depois de passarmos um tempo jogando conversa fora em casa, decidimos ir tomar banho no rio, por ser sábado era quase certeza que os outros garotos também estariam lá, jogando futebol e banhando-se. Então fomos. Saímos às 8 horas. Da minha casa para o rio, gastava-se por volta de 7 mimutos de caminhada. Quando chegamos ao rio, todos os adolescentes de Carnaúbas estavam lá, e as crianças tbm, em Carnaúbas éramos por volta de 10 rapazes, dos 13 aos 17 anos. Todos camaradas de escola, brincadeiras e jogos de futebol. No rio, haviam alguns locais que eram mais fundos, e que eram evitados pelas crianças e por aqueles que não sabiam nadar ou não nadavam tão bem. Mas havia muito espaço seguro para a diversão. Mergulhos, lutas encenadas, saltos, futebol... Era um lazer total.

Era um ambiente fantástico, e especial.

Depois de passarmos pelo menos mais de uma hora alternando entre mergulhos, brincadeiras e descansos na areia quente e amarronzada do rio, tivemos uma idéia. Eu não lembro quem primeiramente sugeriu aquilo. Realmente não lembro. A idéia era: irmos subindo, caminhando na direção em que as águas do rio vinham, indo contra a fluência das aguas, até chegamos na parte do rio que ficava proxima a Várzea da Onça, e que tinha uma estrada que levava a comunidade. A idéia era interessante porque provavelmente, por ser sábado, muitos dos jovens de Várzea da Onça, assim como nós, também estariam banhando-se e se divertindo naquela parte do rio.

Na região onde morávamos, tínhamos o hábito de batizar os pontos dos rios que eram próximos às comunidades com o nome da comunidade, por exemplo, o nome do rio era "Rio Choró" mas a parte do rio que era mais próxima a Carnaúbas ficava sendo chamada de "Rio da Carnaúbas". Já a parte do Rio que era mais próxima a Várzea era chamada de "Rio da Várzea da Onça". E assim por diante, cada comunidade, tinha "outorgado" um pedaço do rio para si. Pois Bem, idéia apresentada, idéia explicada, idéia posta em prática.

E assim nós fomos andando em frente, buscando o sentindo da Várzea da Onça. Íamos jogando conversa fora e escalando algumas pedras, por diversão, que ficavam próximas as barreiras do rio. Não é tão distante o Rio das Carnaúbas do Rio da Várzea da Onça, e logo depois de uns 4 minutos de caminhada e depois de passarmos por certa curva que o rio dá, chegamos a uma parte do rio aberta e sem obstáculos, que permite que enxerguemos amplamente. E consequentemente obtivemos a visão que esperávamos.

No rio da Várzea da Onça, haviam várias pessoas banhando-se, como nós tínhamos previsto. Mais 5 minutos de caminhada e nós chegamos. Para passar para o lado onde o pessoal estava, tínhamos que passar, primeiramente, por uma cerca de arame farpado, e assim nós fizemos. Passamos entre os arames, uns ajudando os outros, levantando os arames, e deixando assim um espaço para que cada um passasse, um de cada vez, sem sofrer nenhum aranhão. Ali haviam rapazes da nossa faixa etária, moças também da nossa faixa etária e alguns adultos e crianças. Lembro que assim que passei pela cerca e comecei a me dirigir a alguns rapazes para cumprimentá-los, vi uma colega minha de escola junto de outra garota com a qual eu já tinha ficado, na verdade, foi a primeira garota que eu beijei. Ah, a adolescência. As duas já estavam indo embora. Já estavam subindo a barreira que levava a estrada para Várzea da Onça. Cumprimentei, alguns conhecidos, e pouco tempo depois já estávamos todos nos divertindo, jovens de Carnaúbas e jovens da Várzea. Todo mundo curtindo aquele dia ensolarado e a água doce que lavava o nosso corpo e a nossa alma. Como eu disse no princípio, no rio havia varios lugares onde a água era mais profunda, por conta de certas instabilidades no solo. Certos lugares deveriam ser evitados, por isso era importante que todos soubessem onde era perigoso e onde não. Um mergulho no lugar errado dado por alguém que não soubesse nadar, e as coisas ficariam complicadas. Naquela divisão do rio onde estávamos, em especial, havia um local chamado "Poço da Várzea da Onça". Esse poço era muito temido pelas mães daquela região. Era um local, cuja a camada de areia ficava muito mais abaixo do que nas outras partes do rio. Até aí tudo bem, haviam outros locais no rio com esta mesma particularidade. Mas o que tornava esse tal poço tão mal visto era o fato de uma adolescente, alguns anos antes daquele dia ter se afogado ali. Sim, isso é sério e triste. De fato aconteceu. E o mais interessante, eu, três dos meus amigos do nosso grupo, e mais uns 5 do grupo que já se encontrava lá estavam tomando banho naquele local. Calma. Vamos com calma. Eu não era tão irresponsável, deixe-me contextualizar.

Costa Joel
Enviado por Costa Joel em 08/04/2020
Reeditado em 08/04/2020
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