Fluxo

Rachaduras no chão, céu limpo iluminado pelo sol, areias levadas pelo vento, sigo em direção a uma ilusão, me levando em meio a areia quente com pensamentos pesados onde me esforço a cada passo para seguir numa direção, sem fim, sem rumo, vou apenas deixando pegadas para cada passo que vou dando para uma ilusão, uma doce sensação de encontrar uma solução definitiva para o meu desequilíbrio. E a medida que ando, as pegadas que ali marcam some com a areia levada pelo vento, deixando apenas impressões de que um dia passei naquele horizonte que estava em minha frente, e agora olho para outro horizonte, com um olhar de esperança, porém com a consciência de que não há nada, apenas mais um horizonte inalcançavel.

Ouço vozes que ecoam no esconderijo de minha alma, gritos de pavor, outros de alegria, cada voz uma consciência que se tornou uma pegada inexistente na areia, e vou perdendo as pegadas, vou perdendo as lembranças na medida que sigo naquele horizonte, esquecendo as promessas de amor que ficou, até mesmo as de ódio, vou me enterrando com uma ilusão de esperança, mas quem sabe eu encontre algo que fica ali na frente, quem sabe eu ache um equilíbrio no meio do caos que me cerca, afinal o universo é um caos criado e somos menos do que isso, um produto do caos, onde sentamos em nossa cadeira de trono, se vestindo de Deus, nos vestindo com uma doce e amarga ilusão de controle sobre o mundo, por simplesmente achar que estamos onde queríamos estar, acreditando que nesse trono onde sentamos todos os dias, foi criado por nós, acreditando que esse trono… existe.

Vejo olhares tímidos, até mesmo do mais engraçado entre os seres, um olhar tímido e medroso sobre as escolhas que fazemos. Escuto vozes roucas e cansadas, que pronunciam uma causa para cada erro, cansadas de tanto falarem “se”, eis uma condição humana, a condição daquilo que poderia ser, e não do que foi, porque quem garante que numa realidade alternativa não haveria ainda o uso do “se”? Dor, dor que se guarda no peito, a dor de não aceitarmos quem somos, aceitar que não existe um trono, aceitar que somos um produto do caos e que no outro dia sequer sabemos se algo entre nós irá morrer, se iremos morrer. E todos os dias cremos na vida, porém esquecemos de crer naquilo que torna a vida… uma vida, as relações. Quantos amigos morreram pelo vácuo, pelo espaço de abismo que construímos, quantos beijos se foram, e quantos vazios ficaram quando esquecemos o valor que cada amizade, cada relação perdurou por um instante.

Morrer… morte, perecer, e tantas outras palavras que nos causa aflição, porém, o que nos causa aflição é o medo do desconhecido, ou medo de perder a esperança de consertar as pontes que quebramos no decorrer do tempo? Quantas vezes já visitara seu deserto, quantas pegadas já sumiram em busca de um horizonte? E o que procura nesse horizonte? Um mar? Um lago?

A cada pegada que some, eis uma morte que nos acompanha, que nos congela, um sorriso que vai embora, e um abraço que some. Nesse céu limpo, tão angustiante de olhar, pois, o sol com sua radiação inflama nossa pele queimada, presenciamos no seu inverso, um céu frio, coberto com estrelas que cintilam e embeleza o mundo. Sim, todos os dias vemos o inferno, mas também o paraíso, mas por nossa natureza, não enxergamos a flor do deserto por nos tornarmos a própria dor, e dor… é simplesmente dor, ela não irá sair de você e tampouco parará de doer toda vez que você olhar pra ela. E tampouco parará de doer se você criar um orgulho para ela, por que o orgulho seria uma proteção para ti, ou para sua dor? É tão intrínseco a dor e a morte, porque a dor é morte toda vez que deixamos de aceitar, se somos dor e sofrimento, e se deixamos de pensar nas pontes quebradas que nos causa dor, então estaríamos recusando o nosso próprio eu?

Questões sobre a vida, a existência tem algum sentido se deixarmos levar naquilo que realmente importa, talvez faça sentido quando saímos do nosso trono e faça menos sentido quando buscamos uma razão, porque afinal, não há uma razão de escolhermos a alegria, apenas uma emoção de estarmos alegre, porque é e não porque foi.

Samael Lucas
Enviado por Samael Lucas em 04/04/2020
Código do texto: T6906271
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