Uma Reflexão, Nada Mais
 
     Sempre sonhou ser atriz. Quando menina, desde o jardim de infância, já demonstrava uma enorme desenvoltura para os palcos e era sempre a escolhida para recitar poesias nas datas comemorativas. Ainda nem dominava a pronúncia correta das palavras, mas lá estava ela: “Sou doceira de verdade, faço ‘qoquer qolidade’, como ninguém faz igual. Porém, um dia eu errei. Em vez de açúcar botei, duas colheres de sal”.
     A mãe sentia um orgulho enorme ao ver a pequena arrancando risos e aplausos da plateia escolar. Mães são assim. Aplaudem qualquer gesto do seu rebento, com um imenso orgulho projetado: Nasceu de mim!
Essa história não me pertence, ouvi da minha avó. Nunca soube quem era a menina. Não deu tempo. Vovó se foi cedo, muito cedo.
Mas, me ficou guardada na memória e minha mãe revelou mais tarde que a menina realmente se tornou atriz. Os pais eram contra: “Teatro não é coisa de gente decente” - eles diziam. Mas ainda encontrava espaço para suas aventuras nos palcos do ginásio, do colegial e até na igreja evangélica que sua família frequentava naquela época. Mamãe frequentou a mesma igreja por um tempo. Por isso conhecia a sua história. E vivia repetindo a poesia declamada pela então pequenina atriz quando me via na cozinha, ainda uma adolescente, tentando fazer bolos, doces ou qualquer arte da culinária – “Sou doceira de verdade. Faço ‘qoquer qolidade’, como ninguém, faz igual...”, o que me lembra do meu primeiro pudim: Perfeito! Mas que falhei miseravelmente na hora de desenformar. Espatifou-se no chão! E estávamos tão orgulhosas... Minha mãe foi adorável e apenas disse: “Paciência” - me estimulando a tentar novamente.
     Quanto à pequena atriz, ela atendeu ao apelo dos pais e tentou Psicologia. E infeliz, porque no seu íntimo não era o que queria, negociou: “Posso fazer as duas faculdades”? A mãe consentiu, embora o pai tenha ficado furioso. E seguiu estudando, dividindo o tempo entre o que amava e o que agradava aos pais. É claro que ela se sobressaia nas Artes Cênicas em detrimento à Psicologia, que negligenciava. Com um ano menos de duração ela conseguiria a graduação como artista primeiro e se livraria da outra faculdade. Nesse meio tempo, o curso de teatro permitiu que ela participasse de um Festival Mundial, na França, e tudo mudou na família. Agora ela era a “filha que tinha ido à Europa, com o grupo de teatro” - Um verdadeiro orgulho! E participou de vários espetáculos, antes de casar-se e, então, se transformar em “uma mulher do lar” por causa dos filhos que chegaram. Por amor e dedicação a eles e à família, encerrou a sua carreira de atriz, mamãe contou.
     Então penso nas muitas carreiras que jovens deixam de seguir por não serem as preferências dos pais. Eu, por exemplo, quando muito jovem, tinha por sonho ser aeromoça! Achava que era uma profissão glamorosa, que permitiria conhecer o mundo, e, vejam só, trabalhando! Claro que meus pais desaconselharam. No meu caso, acho que estavam certos. Amo viajar, conhecer novas culturas e levar os conhecimentos adquiridos para as salas de aula, depois de ter-me tornado professora. Formada e adulta, resolvi reingressar na faculdade para um novo curso com o objetivo de ampliar informações para os meus alunos. Neste curso, uma disciplina em especial me reavivou o gosto pela palavra escrita, que carrego desde há muito tempo, e aqui estou! Escrever me dá tanto prazer quanto lecionar.
     Espero que a “pequena atriz” tenha sido feliz com a sua escolha final, assim como sou com a minha. E que pais, familiares, professores e afins aprendam a conhecer os anseios dos seus filhos, seus jovens, os incentivando e apoiando quando das suas escolhas, apenas tornando-os conscientes dos riscos de fracassos ou dos possíveis sucessos para o que optarem como carreira. Esse é pura e unicamente o nosso papel. Sejamos os maiores incentivadores dos nossos filhos, dos nossos jovens, sempre.
Marise Castro
Enviado por Marise Castro em 30/03/2020
Reeditado em 21/07/2020
Código do texto: T6901618
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