Quem?
E se lhe perguntarem sobre quem você é, saberias responder?
Certamente dirias que sim, que é bem fácil dissertar acerca de si mesmo e a partir disso viria uma enxurrada de qualidades e algumas poucas pontuações sobre defeitos facilmente observáveis mas, no mais íntimo, de certo, há sempre algo escondido e ainda não descoberto.
Nós somos, ainda, seres dependentes da opinião alheia, vivemos em uma completa redoma que nos faz querer, ou melhor, necessitar da aprovação do outro, para que possamos nos sentir capazes de estarmos encaixados em grupos.
Eu, por exemplo, sempre fui um tanto quanto avessa ao convencional, e estava bem com isso, até que o convencional passou a me parecer mais atrativo.
Quando criança eu não gostava das apresentadoras infantis, era a menina que largava facilmente as barbies que sobravam (a maioria sofria cirurgias para que o mecanismo de movimentos fossem expostos, tudo pela ciência) para jogar gude, brincar de carrinho, correr com os meninos, jogar sete capitães, castanhas, guerra de mamona e tantos outros joguinhos tipicamente masculinos. Enquanto as meninas queriam um mundo rosa eu era a menina de azul, que andava de tênis, assistia filmes de terror, amava Bruce Lee, Freddy Krueger e o boneco Chucky. Eu era a menina que andava com os meninos, que jogava futebol e sempre era o tubarão branco na competição dos animais marinhos.
Passei pela rebeldia, curtia rock and roll, andava all black, era cercada de amigos que tinham o espirito tão livre quanto o meu, adorava estar em carros cuja velocidade representava uma tentativa de suicídio, andava com motoristas bêbados, vivia dias seguidos sem ao menos pregar os olhos, trocava qualquer programa sensato por uma farra desmedida e sem limites. Vivi intensamente cada segundo desses anos cuja madrugada era a extensão de quem eu era, era a representação da liberdade que eu sentia, era a razão pela qual eu vivia, emoção e adrenalina.
Eu não cria no estomago embrulhado e flutuante, na completa entrega entre dois seres humanos, no desejo contínuo e eterno por uma única pessoa, nos olhos fixados e na expressão abobalhada, em contos de fadas, muito menos em finais felizes.
Desacreditei, por muito tempo, que o ser humano não era passível de mudança, para mim nascíamos e morríamos completamente iguais, com os mesmos pensamentos e atitudes, eramos imutáveis.
A vida adulta chegou, sem inconsequências, sem sequelas, sem arrependimentos, mas com uma gama inacreditável de mudanças que me fez renascer de uma forma surpreendente, outrora jamais suporia tamanha audácia minha.
Passei a respirar mais lento, e talvez isso tenha dado a oportunidades das borboletas brotarem, ou talvez fosse a influência dos filmes românticos, ou aquele conto de fadas que diz que no final o amor sempre vence, arrisco também nas melodias e letras das musicas de amor, no turuturu quando você passa, nos sertanejos universitários.
Quem diria, quem me diria que isso seria real? Que em sã consciência estaria vivendo, não apenas falando sobre isso. Eu irredutível diria que seria impossível mas o tempo, senhor da razão me fez mudar e tudo que eu cria, já não é tão claro e certo.
Mudei e moldei-me mas não me perdi, acrescentei e vi nascer em mim alguém com tolerância, em constante sabedoria e acima de tudo, com uma capacidade imensa de amar.
Sem nostalgia, sentir é melhor que não faze-lo.
E se lhe perguntarem sobre quem você é, saberias responder?