De tanto mudar

De tanto mudar, já me torno única. Em meio a tantas idas e vindas, versos e reversos, esbarrei no mais íntimo de minhas pupilas e batimentos cardíacos. Caí sobre mim, desmoronei no abismo de minhas entranhas estreitas e vívidas. Desperto para uma realidade presente, sem hesitação ilusória, apenas eu e o mundo como é. "Pare o

mundo que eu quero descer", esse verso de meu saudoso Raul está versado agora detrás do quadro. Por algum motivo, que eu bem sei qual é, essa frase engenhosa caiu-me demasiadamente bem, feito uma luva. A decisão de pintar hoje talvez não foi a mais certa... Porque, na verdade, não ficou

boa. Quando a tinta ocupou seu lugar no vasto espaço que cedi a ela, o encanto acabou. Retoquei até sair algo que preste. Embolei curvas

e retângulos, retas tortas, quase ondas... e deu tudo errado. Não saiu do jeito que desejava, mas o que meu inconsciente ditou. Por fim, tudo jaz assim, transbordando as beiradas limítrofes de meu inconsciente. Soterro dor, ódio, angústia e aquela pulga atrás da orelha que jamais tivera a bravura de questionar em voz alta. Tudo isso, somado a um inexistente grau de experiência artística, resulta em uma aberração que só eu consigo decifrar, assim como esse texto, que bordado ao azul do céu que cintila lágrimas de cor pérola, enfeita o cenário dessa escrita melancólica e vazia.

Loa Morais
Enviado por Loa Morais em 28/02/2020
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