Tardes de almas diferentes

Gosto de dias que têm tardes. Tardes de sol amarelo-alaranjado, e ainda por vezes, tardes, que não parecem tardes, de céu cinzento.

Nessas tardes de céu cinzento faz-se domingo. Um domingo deprimente, com o vento que levemente sopra muito leve, e o rebuliço do silêncio solitário. Os pássaros descansam sobre ramos esmarridos, descansam muito preguiçosos, num quase descansar dos defuntos. Nessas mesmas tardes de céu cinzento as pessoas pouco caminham, pouco passeiam, e os jardins embriagam-se de tal quietude.

E fico eu, nestas tardes, sentado à beira da janela que deixa entrar os cheiros da rua, a contar os fantasmas da poeira que ascende da calçada decadente. Imploro ainda, por ventos fortes que conduzem folhas intrépidas e por uma chuva alvoreada. Não tenho, nestas tardes, a sorte de ver esse desejo se realizar, há que não haver de chover. O céu fica mesmo, nessas tardes de céu cinzento, pelo cinzento de nuvens adormecidas.

Nas tardes de sol amarelo-alaranjado, os pássaros cantam mais. Cantarolam cânticos e cantigas de antigamente que a minha avó chegou a cantar para mim até ao dia em que dela se lhe tirou a vida. Foi a solitude, ou se calhar a solidão, não sei. Nunca cheguei a descobrir. Nessas mesmas tardes, bebés choram e crianças riem. Ouve-se de todo o tipo de ruído: das árvores que já dançam, dos carros que rosnam, dos animais que conversam, da relva que voa, da brisa que assobia. E nessas tardes, sonho com sonhos de pobres intenções. Nunca os sei o fim nem o meio, e tão poucas vezes os sei o princípio. Mas eu sonho, e sonho vagarosamente como o passar do tempo, um tempo que passa muito devagar.

Nessas tardes de sol amarelo-alaranjado, sente-se o cheiro de fruta fresca para se comer vorazmente, como o ananás, cheiro muito doce e distinto, cítrico e intenso, um cheiro muito vivo. Nestas tardes bebo muita água, uma água gelada de arrepiar a espinha, gelada de gelar o cérebro.

Gosto destas tardes, das tardes de sol amarelo-alaranjado e de céu cinzento também.