Desconstruindo discursos religiosos

“Deus te ama, o pastor te engana.”

Anônimo

“O sonho acabou, vamos encarar a realidade”

John Lennon

Se há algo em que os religiosos são hábeis é em usar todos os tipos de justificativas, especialmente para explicar o sofrimento pelo qual passamos. Entretanto, muitas delas, se as analisarmos devidamente, provam-se vazias e totalmente desprovidas de senso lógico. Muitas coisas pelas quais passamos nos levam a questionar a vida e a nossa existência, porém, se não temos uma explicação minimamente razoável para o sofrimento humano e os mistérios universais, melhor não tentarmos dizer nada.

Um dos problemas das religiões é o fato de que muitas das explicações dos religiosos são ditas de maneira superficial. Quem as dá também fala como se soubesse a verdade absoluta. E será que existe uma verdade absoluta? Talvez exista, só que todos nós, como seres limitados que somos, entendemos os fatos e os interpretamos à nossa maneira, de acordo com nosso conhecimento de mundo e compreensão que possuímos da vida. Compreensão que pode mudar pois, se possuirmos mente aberta, pelo menos seremos capazes de evoluir em nosso ponto de vista e aprender a tentar refletir sobre as coisas em lugar de tentar explicar tudo de forma superficial e, com frequência, arrogante.

Como não sou conhecedora da verdade, não me cabe dizer que o sofrimento da pessoa se deve a isso ou aquilo. Além disso, temos de admitir que, se pudéssemos mesmo confiar nos livros religiosos, ninguém teria dúvidas e não haveria explicações tão contraditórias entre si. Assim, vamos analisar certas razões.

1- Uma explicação muito comum dada por muitos crentes evangélicos quando as pessoas se queixam do comportamento de outra pessoa é: “Isso não é ele, é o Inimigo.” Será? Vejamos. Se uma pessoa faz o mal porque o Inimigo age sobre ela, onde está o livre arbítrio, outro argumento muito usado por religiosos para eximir Deus de qualquer responsabilidade pelo mal que vemos no mundo? Então, se o mal é por causa do Inimigo, quando a pessoa pratica o bem, então não é ela, mas Deus? Que são as pessoas? Marionetes, por acaso? Chegamos até a pensar que os advogados dos Nardoni e de Suzanne von Richthofen perderam um bom argumento para defender seus clientes. Vale lembrar que os espíritas usam o argumento de que alguém age de determinada forma influenciado pelos espíritos. Isso nos leva a desconfiar que somos todos bonecos sem vontade. Uma mulher até me disse, ao me ouvir dizendo que eu tinha deixado de acreditar que não era eu dizendo aquilo, era o Inimigo. Eu simplesmente falei: não é o Inimigo. Sou eu mesma.

2- Uma vez, eu ouvi de alguém que o que eu estava passando era Deus testando minha fé. Vejamos. Se uma mulher sofre nas mãos de um marido que a espanca ou uma criança é abusada por seu padrasto, o abusador é apenas um instrumento nas mãos de Deus para testar a fé da pessoa? Mais uma vez, isso derruba o argumento do livre arbítrio. Então, o marido abusivo não é responsável por seus atos, pois seria Deus quem o levaria a bater na sua esposa.

3- Outro argumento estúpido que ouvi foi: “Fazemos nossos planos mas Deus tem coisa melhor para a gente.” Só que aí, cabe uma pergunta: então, Deus atrapalha nossos planos para que cheguemos aonde chegamos?” Novamente, o livre arbítrio cai por terra. Se Deus atrapalha uma pessoa e seus planos porque já tem outros planos para ela, isso significa que não somos livres para decidir nossas vidas. Para entender melhor a reflexão aqui, levantemos uma hipótese: digamos que uma mulher queria ser física nuclear, mas as circunstâncias da vida a levaram a casar com um homem que a encheu de filhos, o que a obrigou a desistir de seguir uma carreira brilhante como cientista para se tornar uma dona-de-casa. Alguém aqui com um mínimo de inteligência acha que isso era o melhor que podia ter ocorrido para essa mulher? E, se Deus queria isso para ela, poderíamos dizer que Ele é justo?

4- Quando não consegui realizar um sonho, escutei: “Será que isso não é Deus lhe poupando, não?” Entretanto, não dizem que, por causa do pecado original temos de sofrer? Que pelo mundo passaremos aflições? O que isso significaria? Se todo ser humano tem de sofrer porque é pecador, por que Deus se preocuparia em poupar justamente a mim? E, se temos o livre arbítrio, isso também não quer dizer que cada um de nós é livre para escolher seu próprio caminho e depois sofrer as consequências das escolhas que faz? Ademais, a vida é incerta. Não posso saber se eu estaria melhor hoje se houvesse feito outras escolhas. Não virá ninguém com uma bola de cristal para me mostrar como eu estaria.

5- Também falam muito quando não conseguimos algo: ”Deus tem coisa melhor para você.” Façamos a seguinte pergunta: como essas pessoas podem saber? Ouvi muito isso de pessoas que me convenceram a seguir outros caminhos que depois tiveram resultados bastante desagradáveis. O que concluí? Elas não tinham mais sabedoria espiritual do que eu para poder dizer com tanta autoridade que eu não deveria seguir por tal caminho porque Deus teria algo melhor para mim. Isso não provaria que o Deus que elas usam em seus argumentos não passaria de simples extensão de suas consciências? Como nem sempre dá para sabermos se o que queremos é ou não bom para nós, podemos apenas tentar, ver por nós mesmos o que nos serve, até porque sabedoria é bem diferente de conhecimento. Depende de vivência.

Vejamos também o que dizem os pastores em seus sermões. Eles são muito habilidosos em dizer coisas que nos confortam, principalmente porque muitas pessoas que procuram as igrejas estão atravessando momentos de turbulência emocional, crises familiares, financeiras, de saúde ou de trabalho. Ouvimos muito dizerem: “Deus me deu um recado para você, que está sofrendo.”; “Não se preocupe, Deus está agindo na sua vida e hoje você sairá daqui uma nova criatura”; “Deus vai restaurar sua família” e “Deus tem um monte de promessas para sua vida. Ele não vai falhar.” Eu ouvi dizerem muito isso e muitos fiéis falaram: “Essas palavras correspondem à minha situação.”

Entretanto, eles dizem isso porque sabem que é o que queremos ouvir. Essas palavras nos dão alento, fazem-nos acreditar que logo irão acontecer coisas maravilhosas na nossa vida e que não devemos nos preocupar porque chegará o “dia da vitória”. Tais discursos não diferem dos de qualquer cartomante ou bruxo que promete trazer a pessoa amada em dois dias. Muitos ex-crentes (especialmente da Universal) falam de como perderam tempo e dinheiro ao dar seus bens à Igreja. Outros, em depoimentos bem dolorosos, desabafam como perderam anos de suas vidas esperando que se cumprissem promessas que os pastores diziam que ocorreriam “no tempo de Deus”, até que eles viram que suas vidas só mudariam se eles fizessem algo a respeito. Essas situações refletem uma triste verdade ocorrida nesses templos: os pastores nos iludem com promessas de que serão operados milagres em nossas vidas, enchendo-nos de expectativas e com frequência nós ficamos a esperar, depositando esperanças em algo que não tem a menor garantia, agindo como quem anda no escuro.

Talvez digam que abandonei a religião por ter me revoltado com Deus. Não. Não posso me revoltar com Deus porque, na verdade, não foi Ele que me fez promessas, não foi Ele que me disse que deixasse de fazer isso ou aquilo porque Ele teria algo melhor para mim. Foram pessoas que me iludiram, falando em nome Dele ou como se Ele lhes tivesse falado pessoalmente. Se me revolto com algo, é com a falta de escrúpulos de pastores que enganam as pessoas, levando-as a depositar todas suas esperanças em algo sem garantia e com quem, usando o nome de Deus, oprime os outros.

Haverá verdades espirituais? Com certeza. Também não posso dizer que Deus não existe. Eu não sou conhecedora da verdade. Sou apenas alguém que pensa sobre o que existe e tenta entender a realidade.