Uma carta sincera

Minha vida inteira eu sempre me senti deslocada, uma peça fora do lugar, mal posicionada na engrenagem da vida, era como estar sempre sozinha e gritar sempre sem voz, alguns dias era simplesmente agonizante e eu realmente não queria mais abrir os olhos, em outros dias, parecia que tudo ia ficar melhor, eu sorria enquanto arquitetava planos para o meu futuro, sonhos que nem cabiam dentro de mim, mas que ao mesmo tempo pareciam tão inacabados, como se faltasse algo que eu nunca soubesse o que era e tinha medo de nunca saber de fato, eu tentava acreditar que um dia os compromissos da vida corrida sufocariam esse buraco enorme dentro de mim, mas ao mesmo tempo eu erguia de maneira invisível, ainda que muito solida, um muro ao meu redor, que me separava do mundo, me protegia dele na verdade, dali, eu podia observar segura o resto do mundo, me permitindo ver e ouvir tudo que havia do outro lado, mas não o suficiente para me machucar, em certos momentos eu covardemente me orgulhava de ter esse meu refugio sagrado, em outros eu rezava para que uma tempestade o destruísse dando fim a toda aquela dor, mesmo os dias onde eu parecia sorrir para o mundo, algo nele ainda me era estranho e parecia que ele nunca me sorria de volta com o mesmo afinco, mas eu me sentia privilegiada, porque mesmo sendo assim, com todas as minhas limitações e medos eu era cercada de amigos sinceros e gente que me amava, embora eu nunca conseguisse descrever esse sentimento tão absoluto em palavras ou mesmo retribui-lo em alguns dias eu chorava sem motivos, eu dançava sozinha no silencio do meu quarto, inventando distrações para alimentar o meu cérebro, eu transitava entre as mais variáveis conjecturas, arte, música, cultura...eu queria aprender tudo sobre tudo, me superar nos meus próprios limites, nas minhas próprias barreiras e o que é melhor, eu fazia tudo de dentro da minha humilde caixa de tijolos, a qual eu chamava de quarto, olhando fixamente para uma caixa igualmente tentadora que me transportava para o mundo todo em um piscar de olhos sem sair do lugar, estaria em qualquer época, falaria qualquer língua, mas mesmo assim, ainda assim, a solidão me abraçava a noite, me devorava e não importava o quanto eu arqueasse minhas asas para o céu, minhas garras pareciam sempre dispostas a me tornar mais uma mesa de centro, no canto da sala, a comida já tinha perdido o gosto a muito tempo e o luar que antes me causava arrepios agora me dava a certeza de quanto eu era de fato pequena. De uma hora para a outra você me apareceu, não era nem de longe a mais bonita, a mais inteligente, na verdade era bem comum na multidão, ainda que a sua maneira tivesse algo que as outras nem podiam sonhar em ter, então eu resolvi me aventurar na suas manhãs, passar os dias contigo parecia mais divertido do que outrora eu e meu velho gato assistindo uma série qualquer, mas no fundo eu sabia que tudo aquilo não era o que eu queria, na verdade até podia ser qualquer outra mulher, mas sem fins você ficou e nada nunca me pediu, talvez seu silencio tenha me inspirado a ter coragem de falar por nós ou o fato de me dizer mais '' eu te amos'' com as mãos do que com a boca, sem querer e de um jeito meio atrapalhado, você tinha um pincel e uma tela a sua disposição e começou a pintar meu mundo de dentro para fora, foi quando percebi que o problema não era o que eu via e sim o que eu nunca tinha visto, de repente ficou claro que eu sentia falta de algo que nunca tinha experimentado e fiquei louca, não tinha nada de cientifico numa coisa dessas, como se a vida toda, ali, dançando no silencio do quarto eu estivesse esperando a sua musica, comendo uma comida sem gosto eu esperava você se sentar a mesa ou mesmo perdida no canto sombrio da sala como um móvel velho eu esperava pelo meu vaso de flores, isso me assustou tanto quando me intrigou, uma coisa totalmente nova, que até podia ser amor, mas era muito para eu decodificar e minha mente ficou fraca deixando a voz do coração gritar, para depois tomar consciência e como um rato acuado voltar para a toca, deixando você lá, no vazio de um abraço, eu sofri, mas nunca percebi que você também sentia, na verdade, muitas vezes enquanto você falava eu dormia, e isso sempre vai me inundar de culpa, eu estava pela primeira vez livre, respirando, mas também te sufocando, deixando a minha vontade calar a tua e você nunca me disse nada, mesmo assim eu fui embora quando você mais precisava e mesmo ali, naquele momento nublado eu só conseguia ver o meu lado e chorei e chorei, me agarrei a mim mesma, voltando para o meu lugar de conforto e te deixando na chuva, não foi certo e nem de perto eu posso tentar explicar o quanto lamento, mas saiba que mesmo passando muito tempo eu ainda não te abandonei em pensamento. De repente todo aquele vazio voltou, mas agora eu sei qual era o motivo.

Eu espero que um dia possa me perdoar por fazer dois corações se partirem.

Grécia
Enviado por Grécia em 16/02/2020
Reeditado em 23/12/2020
Código do texto: T6867493
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.