Artisticamente apreciando
Estou a posar para a vida ou ela está posando para mim, não em mim. Sigo notas, encenações e palavras. As sinto, nelas mergulho e delas me faço.
Estou ardendo, estou queimando. Nada me apaga, mesmo que eu desague, o incêndio ainda permanece em mim.
Sigo as notas de algum músico qualquer. Não me importo com nomes nem rostos, apenas o que produzem. Os escuto e os amo.
Vejo filmes lentos e longos, detalhistas, sem grandes emoções. Me animo com tal falsidade exposta por estranhos exibindo uma outra vida que não lhes correspondem. Os assisto e os amo.
Leio livros com histórias sem histórias, introspectivos, difíceis, frios e explosivos. Os leio, os amo, mesmo sem entende-los.
Choro com poesias, me inspiro em filosofias, caso um romance ao outro e uma teoria à outra. Não escrevo pois não as sei e delas me faço.
Sou Sartre, sou Clarice, sou Kant, sou Beauvoir, sou Gramsci, sou tudo o que não sei e me faço do que não entendo.
Sou rock, clássica, samba, jazz, MPB. Sou várias vozes e notas que não conheço. Sou tudo o que não vejo, o que não nomeio e nem busco nomear.
Sou cenas filmadas por diretores quaisquer. Sou personagens que não sei o nome e atores que desconheço. Sou representações. Sou o irreal, um roteiro bem escrito e expressões ensaiadas. Sou lágrimas e felicidades falsas que são mais verdadeiras que eu.
Estou a posar para a vida ou ela a posar para mim, mas não em mim. Eu a vejo, a leio, a escuto. Não sei se ela me vê olhando-a, nem se me espera como espero por ela. Sigo estudando-a e vejo como ela é... Não sei descreve-la, não sei ama-la, não sei odia-la, apenas artisticamente aprecia-la.