A POTÊNCIA DE QUASE SER
“Os homens, dizia em essência Kant, não são feitos destas madeiras duras e retilínias, com as quais fazemos mastros. Se as vezes, para alguns, existe ao longo da vida uma espécie de fidelidade a si mesmo, uma coerência, outros conhecem rupturas improváveis. Estes tornam-se irreconhecíveis a si mesmos e aos outros, cabendo-lhes varias vidas diferentes. Mas, em princípio, cada existência, mesmo a mais tranquila, contem um numero infinito de possibilidades que a cada instante reorganiza suas virtualidades.”
David Le Breton in Desaparecer de si: Uma tentação contemporânea
O ego, enquanto complexo psicológico que opera como centro da consciência, esta longe de de ser uma realidade continua, una. Constitui, ao contrário, um campo instável, sujeito a permanente rearranjos e rupturas cujo desenrolar quase não percebemos.
Nunca permanecemos os mesmos. Há em nós um virtus (força ou potência) que nos impõe o possível como uma sombra de incerteza e transformação projetada em um porvir sempre renovado.
O ego segue sempre a frente de sua auto manifestação como miragem, como possibilidade, como um duplo de si mesmo. Nunca se apresenta como identidade fixa. Manifesta-se como virtualidade e inacabamento que não nunca adequado ao rosto.
A criança que fui um dia, por exemplo, não esta contida naquele que sou hoje. Ela simplesmente desapareceu como manifestação circunstancial de um eu no qual nunca me reconheci por inteiro.
O eu, portanto, só existe como possibilidade, só é em si no movimento de tornar-se. Existe, portanto, na indeterminação de um quase ser, no complexo deslocamento de coisas dentro de coisas, através do movimento de corpos dentro de corpos, que não cabem na ilusão da homogeneidade e continuidade de um pensante e sensível eu que faz do mundo um espelho em sua ilusão de tempo e espaço.