Escrita

Estava com uma enorme vontade de escrever, mas sem saber sobre o quê. Um talante gritante de colocar em palavras o turbilhão dentro de mim. Sem entender direito, ainda, qual seria o tema do assunto abordado.

Então, eu me dei conta de que coisas, seres, pessoas não me bastam para dissertar. Eles não me cabem, apesar de, muitas vezes, me atravessarem, sem pedir licença. Sem nenhuma educação inclusive.

Eu queria escrever as plantas, não sobre as suas variadas e magníficas espécies, nada específico da botânica. Queria escrever o mar, as cachoeiras, os pássaros. Queria conceber as cores, esse vermelho e amarelo que ardem, que queimam. Parir o céu, as estrelas, os planetas. Meu Deus, eu queria dar à luz o universo, as explosões solares e os meteoritos. Pretensiosa demais, né? Mas, queria.

Queria escrever os deuses, a mitologia grega e africana. Queria escrever as cartas no momento que são enviadas no correio, de tão longe, pela pessoa amada. Queria redigir as cenas perfeitas de Almodóvar, os olhares, a livraria do filme Severina. Queria escrever os orgasmos, o encontro, a pele arrepiada.

Queria, concretamente, elaborar os olhares, o amor dilacerante de um casal apaixonado, a água bebida quando se está com muita sede. Discorrer as falésias, os cactos e as feras. Queria escrever as estradas, os muros de grafite, as mulheres e a sua potência.

Queria isso tudo e poderia botar, aqui, as outras mil coisas que amaria escrever. Não escrever a respeito, mas fazer nascer - pense na relação imagética da existência - em palavras. Viver a escrita disso tudo, sabe? Escrever sensações: da perda, do desespero, do padecer de amparo.

A verdade é que eu queria ser a escrita. Como não posso, vou tentando me achegar de alguma forma. Queria ser a palavra!

Mariane Amaral
Enviado por Mariane Amaral em 10/01/2020
Código do texto: T6838386
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