SOTEROPOLITANO TURISTANDO EM SALVADOR

Entrei na maior livraria da cidade e o que encontrei foi um império sendo gradativamente destruído. Me senti triste… Os livros e discos estavam sendo substituídos por eletrônicos e CDs de bandas de música Sertaneja Universitária… Será mesmo que todos os ouvintes destas canções acabam entrando na universidade?

Encontrei um cara do passado… (ou melhor, ele me viu e veio falar comigo) que era amigo de um amigo, me abordou enquanto eu tentava me decidir se levaria - pela milésima vez - o livro “A Metamorfose”, de Franz Kafka.

Eu gosto de abri-lo em qualquer página (como com a bíblia) e ver em que cargas d'água anda a angústia de Gregor Samsa, o protagonista da história, dentro da sua condição de inseto. O rapaz me fez perguntas de um passado sombrio, sobre um Henrique morto e enterrado.

Se o passado for uma sombra, teoricamente - e obviamente… - ele QUER ficar para trás, e no escuro. Por quê tentar cravar uma tatuagem sobre ele? E geralmente as pessoas que tentam suspender a areia das dunas, (criando uma tempestade de areia) são JUSTAMENTE aquelas que não fazem o menor sentindo e diferença pra nós. Mas… O cara acabou me ajudando. Eu estava indeciso sobre o livro e zanzando como um louco pela livraria. Depois que o cumprimentei... o livro de Kafka se tornou essencial como oxigênio e água.

“Ah, olhe todas essas pessoas solitárias…” (Paul, dos Beatles)

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Desci na rodoviária já esperando o caos…

Na última vez que eu vim, todo o som das buzinas (e da má educação) me deixou pasmo… perplexo… como se eu nem fosse de Salvador, o que me deixou triste, com uma sensação de "não pertencência" a lugar nenhum.. Hoje fui percebendo vagamente o barulho em minha volta e me senti numa bolha, quieto, sério... Em paz.

A paz não é um lugar. Esse é o erro básico da maioria das pessoas que chegam em Lençóis.

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Andei puxando a mala cheia de roupas e discos de vinil completamente atordoado de sono, de dor nas costas... e também sentindo uma coceirinha no pé (que só podia ser saciada quando eu chegasse em casa e arrancasse o meu tênis).

Sem motivo e sem a menor ligação eu me lembrei de estar andando pela noite em Lençóis sozinho, e vi uma menina em pé, totalmente ereta na ponta dos pés, gritando e pondo o dedo indicador na cara de um garoto que tinha o dobro do seu tamanho, mas apesar do tamanho, eles pareciam ter a mesma idade (entre 10 a 11 anos). Ela parecia que ia matar ele (ou enchê-lo de porrada) já já...

Quando passei um pouco mais perto dos dois, percebi que o motivo da discussão; Era o tal do futebol. 🤨😒

"Os automóveis parecem voar" (Caetano Veloso)

A cidade onde eu moro pode ser extremamente solitária. É solidão maquiada de euforia, arte e cultura. Uma solidão que pode ser movida a: sexo, drogas, álcool, remedinhos diversos, ou uma quantidade de ‘PAIXÃO’ que o corpo humano não consegue suportar direito... Mas, no final das contas, muitos se falam e poucos se conhecem, se aceitam, se amam... e se toleram. Trata-se de um verdadeiro palco a céu aberto em que não existem iniciantes.

Quase todas os anos, algumas horas antes do réveillon, eu fico pensando comigo: “Pra quê comemorar esta merda?”, “Eu vou é dormir!.. Ou fazer maratona de Star wars, como fiz no Natal.”. Mas há magia no último dia do ano... Pois há alívio e há esperança. Por alguns minutos finais você acaba desejando o melhor possível pra você e pros outros, e pronto, ué...

Cheguei numa festa e todas as pessoas presentes me abraçaram. A maioria não me conhecia e estavam me vendo pela primeira vez... eu ri, comentando: “isso é tão soteropolitano... essa festa... essa dança, essa animação toda...”. Eles dançavam pagode, rebolavam, gargalhavam e riam e tudo era um barato.

Sei que precisamos desconstruir este “Modo reclamação” que assola a nossa “Terra Brasílis”, mas foi IMPOSSÍVEL não reparar e não comentar: Virei pro meu amigo e disse, rindo: "primeira festa que eu vou EM ANOS em que a maioria das pessoas presentes, são negras.”.

É tão difícil, pra nós, principalmente pessoas como eu, que evito me fechar pro mundo Estar num lugar e não se sentir minoria...

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...um amigo resolveu encontrar-se na claridade. Ele agora compõe, toca e canta como quem faz oferendas através de vocalizações e gritos de guerra... que são sussurrados como feitiços de sacerdotes e deuses de um passado realístico, acontecido aqui mesmo onde estamos pisando.

A Bahia continua a mesma…

Eu continuo preferindo o cinza dos dias chuvosos, ballets de Tchaikovsky e valsas de Strauss num quarto escuro. Mãos e dedos nervosos… Trêmulos, escrevendo sem parar. Histórias, pensamentos, FILOSOFISMOS, fresquinhos borbulhando em minha cabeça. Não sinto o que faço como arte... Sinto o que faço como uma respiração profunda, que me permite estar em frente a um jardim florido [de um lado], e do outro lado um hospício... e acabar sempre escolhendo o jardim.

Amigos brilham e cantam como querubins, e eu percorro muros e me esgueiro por árvores em florestas próximas a cemitérios. Mas no final das contas estamos sempre tentando oferecer consolo a alguém.

Luz e Escuridão não importam. O importante é convicção. É insistência. A busca pela perfeição dentro do limite MÁXIMO da nossa habilidade de criar e compartilhar universos....