Filho da puta (desculpem-me o título)

Já ultrapassei minha fronteira

Passou das 3 da madruga

Não que eu tenha exagerado no vinho

Mas estou agora sensível ao extremo

Estou cercado pela a Avenida do Contorno

Mas me vejo numa situação incontornável

Só posso ver até onde meus olhos conseguem alcançar

Mas com eles fechados vejo a dor em outras moradas

E a sinto como se fosse minha

Minha dor se estende a outras moradas também

Por isso recebo ligações e mensagens de amor – e agradeço por todas

A fome do outro se torna um buraco no meu estômago

A falta de abraços no mundo

Justifica minha solidão solidária

Cada morte é uma morte em mim

Cada ser nascente é filho meu também – ou melhor, um irmão

Eu sou aquele que muitos querem jogar por debaixo do tapete

Sou mulher

Sou negro

Sou gay

Sou um reencarnado num corpo inaceitável por muitos

Sou puta

Sou gordo

Sou sistema público

Sou SUS

Sou favelado e funkeiro no baile que só quer dançar

Sou real e não fake

Sou professor

Sou pai e filho

E também filho da puta que me amou até o fim da vida

Não sou alguém, sou ninguém querendo compor o todo

Porque não sou um

Sou você

Serei sempre todos aqueles que arrastam correntes da opressão rua afora vida adentro

Vavá Borges
Enviado por Vavá Borges em 05/12/2019
Reeditado em 05/12/2019
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