A linguagem é o limite do "eu"

 Não sofremos por que a pessoa foi embora, sofremos porque ela nos deixou, ficamos solitários; não choramos a morte das pessoas, choramos nossa própria morte, ficamos vazios - qual o sentido do funeral, a quem ele se destina?

     Se eu não sou nada, os outros ou as coisas são a causa de eu me sentir de determinada maneira - assim pensa o "eu" em sua inconsciência de si. Acenda a luz na escuridão, e então as causas e os motivos não serão mais que símbolos.

   Se tornamos nossos sentimentos pessoais nós os estenderemos para outros "eus". Se só compreendemos o sofrimento a partir da ótica de alguém ou algo que sofre, então alguém ou algo terá de ser o responsável pelo nosso sofrimento. Mas a dualidade é uma ilusão, os budistas, cientistas e alguns grandes pensadores já apontaram para isso, mas parece-me que ainda há muita resistência por parte do pensamento conservador, isso para não dizer ignorância do povo.

    A realidade é uma só. Desperte de seu sonho, sonhe lúcido. A "existência" não é - no momento que entendemos a sequência lógica desta frase - o que pensamos que seja, ela não está separada de nós. Não há "nós" nenhum.

     Veja isso em si mesmo e perceberá que nunca amamos ou odiamos as coisas em si mesmas, mas sim as sensações que elas nos inspiram. Estamos fechados para o mundo externo porque não há nada externo nem interno. O universo é fechado em si mesmo, não vazio. É a ideia de uma entidade por trás dos processos psicofisiológicos que lança sobre a realidade um véu de ilusão, uma divisão, uma distância que não existe em si. Essa ficção foi necessário um dia, mas está chegando o tempo dessa ilusão desaparecer.

     Nosso pensamento é estruturado por conceitos milenares que formaram uma teia de aranha no reino das ideias em oposição ao devir, à mudança, à morte. As palavras têm caráter "eternizante", foram feitas para descrever, não explicar a realidade; são designações de relações entre as coisas - "coisa" é já uma metáfora.

    A verdade que diz respeito as palavras é parcial, ninguém contestaria que um camelo é um mamífero. Mas isso é um antropomorfismo, não uma verdade que se possa provar mediante métodos científicos; de onde tiramos o conceito de mamífero? Em oposição a quê? É claro, a nós. Nós inventamos tudo que possa ser pensado, não encontramos nossas verdades escritas no DNA do cosmo. Na natureza só existe a necessidade, todo o resto é invenção. Somos, desde sempre, artistas; o caráter da existência é falso. E é essa nossa particularidade, nossa honra - sejamos pois mentirosos, isto é, francos.

Pecamos por excesso de convicção, e causamos mais discórdia do que imaginamos. Refiro-me aos advogados do caráter moralista, eles ainda se apegam às suas próprias verdades, isto é, a "essência", como se fosse absoluta, então há divisão; tratam logo de arrumar inimigos, tornam-se sérios quando alguém ataca aquilo que eles acreditam; perdem a leveza, o riso. É um caso cômico pelo excesso de ironia que pulsa aí - no fundo são selvagens, pois toda moral exige a violência. Moral é tirania contra a natureza. Através deles podemos ter um vislumbre de nossos antepassados, e do enorme processo da árvore dos sentimentos morais que herdamos em forma de "caráter".

     Quando destruirmos os limites impostos pela linguagem-pensamento, a partir daí nunca mais veremos o mundo com um dentro-e-fora, todas as divisões serão derrubadas, seremos um círculo sem circunferência, um nada com tudo dentro.

    Flutuamos em símbolos e metáforas, mas nos esquecemos há muito tempo disso...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 04/12/2019
Reeditado em 01/05/2020
Código do texto: T6810547
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